sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

um pouco de história - incapacidade e doença

Decreto-lei 6905, de 26 de setembro de 1944 

Dispõe sôbre a concessão de auxílio pecuniário por motivo de enfermidade do empregado.
O Presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o artigo 180 da Constituição, Decreta:
Art. 1º As instituições de previdência social que concederem aos respectivos segurados auxílio pecuniário, por motivo de enfermidade, passarão a conceder êsse auxílio a partir do décimo sexto dia de seu afastamento do serviço.
Art. 2º Durante os quinze primeiros dias do afastamento do serviço, por motivo de enfermidade, cabe ao empregador, qualquer que seja a categoria econômica, o encargo de pagar ao empregado enfermo dois terços do salário a que o mesmo faria jus nesse período.
(Revogado pela Lei nº 4.355, de 1964)
Parágrafo único. Para ter direito ao pagamento a que se refere êste artigo, o empregado deverá comprovar a enfermidade determinante do seu afastamento, o que só poderá fazer por atestado passado por médico de instituição de previdência social a que esteja filiado, por médico indicado pelo próprio empregador, por médico do sindicato a que pertença o empregado ou o empregador, ou, finalmente, em falta dêsses, por médico a serviço de repartição federal, estadual ou municipal, incumbida de assuntos de higiene ou saúde.  Citado por 1
Art. 3º O presente Decreto-lei entrará em vigôr na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
Rio de Janeiro, 26 de setembro de 1944, 123º da Independência e 56º da República.
GETULIO VARGAS.
Alexandre Marcondes Filho.
Este texto não substitui o publicado no D.O.U de 31.12.1944

 

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Perda da chance: uma forma de indenizar uma provável vantagem frustrada

- notícias do STJ

Perda da chance: uma forma de indenizar uma provável vantagem frustrada
 
Surgida na França e comum em países como Estados Unidos e Itália, a teoria da perda da chance (perte d’une chance), adotada em matéria de responsabilidade civil, vem despertando interesse no direito brasileiro – embora não seja aplicada com frequência nos tribunais do país.

A teoria enuncia que o autor do dano é responsabilizado quando priva alguém de obter uma vantagem ou impede a pessoa de evitar prejuízo. Nesse caso, há uma peculiaridade em relação às outras hipóteses de perdas e danos, pois não se trata de prejuízo direto à vítima, mas de uma probabilidade.

Não é rara a dificuldade de se distinguir o dano meramente hipotético da chance real de dano. Quanto a este ponto, a ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), avalia que “a adoção da teoria da perda da chance exige que o Poder Judiciário bem saiba diferenciar o ‘improvável’ do ‘quase certo’, bem como a ‘probabilidade de perda’ da ‘chance de lucro’, para atribuir a tais fatos as consequências adequadas”.

O juiz aposentado do Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo Sílvio de Salvo Venosa, autor de vários livros sobre direito civil, aponta que “há forte corrente doutrinária que coloca a perda da chance como um terceiro gênero de indenização, ao lado dos lucros cessantes e dos danos emergentes, pois o fenômeno não se amolda nem a um nem a outro segmento”.

Show do milhão

No STJ, um voto do ministro aposentado Fernando Gonçalves é constantemente citado como precedente. Trata-se da hipótese em que a autora teve frustrada a chance de ganhar o prêmio máximo de R$ 1 milhão no programa televisivo “Show do Milhão”, em virtude de uma pergunta mal formulada.

Na ação contra a BF Utilidades Domésticas Ltda., empresa do grupo econômico Silvio Santos, a autora pleiteava o pagamento por danos materiais do valor correspondente ao prêmio máximo do programa e danos morais pela frustração. A empresa foi condenada em primeira instância a pagar R$ 500 mil por dano material, mas recorreu, pedindo a redução da indenização para R$ 125 mil.

Para o ministro, não havia como se afirmar categoricamente que a mulher acertaria o questionamento final de R$ 1 milhão caso ele fosse formulado corretamente, pois “há uma série de outros fatores em jogo, como a dificuldade progressiva do programa e a enorme carga emocional da indagação final”, que poderia interferir no andamento dos fatos. Mesmo na esfera da probabilidade, não haveria como concluir que ela acertaria a pergunta.

Relator do recurso na Quarta Turma, o ministro Fernando Gonçalves reduziu a indenização por entender que o valor advinha de uma “probabilidade matemática” de acerto de uma questão de quatro itens e refletia as reais possibilidades de êxito da mulher.

De acordo com o civilista Miguel Maria de Serpa Lopes, a possibilidade de obter lucro ou evitar prejuízo deve ser muito fundada, pois a indenização se refere à própria chance, não ao lucro ou perda que dela era objeto.

Obrigação de meio

A teoria da perda da chance tem sido aplicada para caracterizar responsabilidade civil em casos de negligência de profissionais liberais, em que estes possuem obrigação de meio, não de resultado. Ou seja, devem conduzir um trabalho com toda a diligência, contudo não há a obrigação do resultado.

Nessa situação, enquadra-se um pedido de indenização contra um advogado. A autora alegou que o profissional não a defendeu adequadamente em outra ação porque ele perdeu o prazo para interpor o recurso. Ela considerou que a negligência foi decisiva para a perda de seu imóvel e requereu ressarcimento por danos morais e materiais sofridos.

Em primeira instância, o advogado foi condenado a pagar R$ 2 mil de indenização. Ambas as partes recorreram, mas o tribunal de origem manteve a sentença. No entendimento da ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso especial na Terceira Turma, mesmo que comprovada a culpa grosseira do advogado, “é difícil antever um vínculo claro entre esta negligência e a diminuição patrimonial do cliente, pois o sucesso no processo judicial depende de outros fatores não sujeitos ao seu controle.”

Apesar de discorrer sobre a aplicação da teoria no caso, a ministra não conheceu do recurso, pois ele se limitou a transcrever trechos e ementas de acórdãos, sem fazer o cotejo analítico entre o acórdão do qual se recorreu e seu paradigma.

Evitar o dano

Em outro recurso de responsabilidade civil de profissional liberal, o relator, ministro Massami Uyeda, não admitiu a aplicação da teoria da perda da chance ao caso, pois se tratava de “mera possibilidade, porquanto o dano potencial ou incerto, no âmbito da responsabilidade civil, em regra, não é indenizável”.

No caso, um homem ajuizou ação de indenização por dano moral contra um médico que operou sua esposa, pois acreditava que a negligência do profissional ao efetuar o procedimento cirúrgico teria provocado a morte da mulher.

A ação foi julgada improcedente em primeira instância, sob três fundamentos: o autor deveria comprovar, além do dano, o nexo causal e a culpa do médico; as provas produzidas nos autos não permitem atribuir ao médico a responsabilidade pelos danos sofridos pelo marido; não há de se falar em culpa quando surgem complicações dependentes da condição clínica da paciente.

Interposto recurso de apelação, o tribunal de origem deu-lhe provimento, por maioria, por entender que o médico foi imprudente ao não adotar as cautelas necessárias. O profissional de saúde foi condenado a pagar R$ 10 mil por ter havido a possibilidade de evitar o dano, apesar da inexistência de nexo causal direto e imediato.

No recurso especial, o médico sustentou que tanto a prova documental quanto a testemunhal produzida nos autos não respaldam suficientemente o pedido do marido e demonstram, pelo contrário, que o profissional adotou todas as providências pertinentes e necessárias ao caso.

De acordo com o ministro Uyeda, “para a caracterização da responsabilidade civil do médico por danos decorrentes de sua conduta profissional, imprescindível se apresenta a demonstração do nexo causal”. Ele deu parcial provimento ao recurso para julgar improcedente a ação de indenização por danos morais.

Escolaridade e acesso à justiça

Pobreza e baixa escolaridade impedem brasileiros de irem à Justiça



Por Arthur Rosa,
No Valor Econômico


O baixo nível de escolaridade e a situação de pobreza impedem boa parte da população brasileira de ter acesso ao Judiciário.


Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), encomendado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mostra que esse fatores foram determinantes para que 63% das pessoas que tiveram algum tipo de direito lesado no ano passado não recorressem à Justiça.
Caso tivessem optado por esse caminho, o número de novos processos - que foi de 25,5 milhões em 2009 - seria 170,3% maior.
A pedido do CNJ, o técnico Alexandre dos Santos Cunha, do Ipea, cruzou dados do relatório Justiça em Números 2009 e indicadores socioeconômicos e revelou que 53,54% da demanda pode ser explicada pelos níveis de educação e social dos que recorrem ao Judiciário.
"Muitas pessoas não procuram a Justiça por desconhecimento ou por entenderem que é um caminho muito caro", diz o técnico.
Em estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, Distrito Federal, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, com melhores indicadores - 7,5 anos de estudo (ensino fundamental incompleto) e 19,55% de pobres -, o número de casos novos para cada 100 mil habitantes é 43% maior do que a média nacional.
Já o grupo com os piores indicadores, composto por Bahia, Ceará, Alagoas, Maranhão, Pará e Piauí, está 66% abaixo da média. Nessas regiões, o nível médio de escolaridade é de 5,33 anos e 59,18% das pessoas estão na linha da pobreza.
A partir desse cruzamento de informações, o técnico constatou que o acréscimo de um ano na escolaridade média da população poderia aumentar a demanda anual em 1.182 novos processos a cada 100 mil habitantes.
Já o impacto da redução de um ponto no percentual de pobreza resultaria em 115 novas ações.

sábado, 20 de novembro de 2010

discurso de Paraninfo pronunciado pelo Professor e Doutor Régenis Bading Prochmann - Formatura dos Doutorandos da Faculdade Evangélica de Medicina do Paraná - 6/12/1980

discurso de Paraninfo pronunciado pelo Professor e Doutor Régenis Bading Prochmann - Formatura dos Doutorandos da Faculdade Evangélica de Medicina do Paraná  - 6/12/1980

      A grande figura humana do eminente sacerdote, evolucionista, cientista e sábio Pierre Teilhard de Chardin foi por nós escolhida para o primeiro contato projetado. De sua obra Le Phénoméne Humain são as citações seguintes:
             "Établir autour de l'Homme, choisi pour centre, un entre cuhérent entre conséquents et antécédents; découvrir, entre éléments de l'Univers, non point un système de relations ontologiques et causales, mais une fui expérimentale  de récurrence exprimant leur apparition succéssive au cours du Temps: voilà, et voilà  Simplement, ce que j'ai essayé de faire."
      E mais adiante:  
            "Comme il arrive aux méridiens à l'approche du Pôle, Science, Philosofie et Religion convergent nécessairement au voisinage du Tout. Elles convergent, je dis bien; mais sans se confontlre, et sans cesser, jusqu'au bout, tl'attaquer le Réel sous angles et à des plans différents.
      Prosseguindo:
            "Deux options primordiales je tiens à faire remarquer s'ajoutent l'une à l'autre - pour supporter tous les développements. La première est le primat accordé au psychique et à la Pensée dons l'Étoffe de l'Univers. Et la seconde est la valeur 'biologique' attribuée au Fait Social autour de nous."
      E ainda   
            "Prééminente signification de l'Homrne dons la Nature et nature organique de l'Humanité: deux hypothèses que on peut essayer de refuser au départ; mais sans lesqueles je ne vois pos qu'on puisse donner une représentation cohérente et totale du Phénomène Humain."
            "L'Homrne, non point le centre statique du Monde - comme on l'a cru pour longtemps - maisl'axe et flèche de l'Évolution - ce qui est plus beau."
      O homem é fundamentalmente ser. A partir de seu ser ontológico, passa a existir. Neste processo de sua existência, relaciona-se como universo que o circunda. O sentido ontológico tem um conteúdo bipolarizante: tanto de cada ser  particular, de cada pessoa, como da espécie humana, numa relação de simultaneidade entre si, essencial, de ambos os aspectos aparentemente separados. Esta mediação em movimento se desenrola ao nível de sua consciência, entendida aqui no seu significado filosófico, e não freudiano. É, portanto, a característica fundamental da condição humana, a possibilitar-lhe suas relações coma cosmos e detonadora do processo histórico. É a partir dessa relação fundamental entre consciência e mundo que se desenvolvem, em processo evolutivo, as demais causalidades que, desde os primórdios até a etapa atual, vêm emergindo e interagindo entre si, em espiral crescente, no processamento da história atual, na interpretação da passada e no vislumbrar da futura.

      Até novos possíveis fatores, hoje em potencial, poderem também ter sua emergência. Efetivamente, trata-se de um movimento gigantesco.
        O homem, ser consciente, vê o universo. À medida que com ele se  relaciona, adquire em processo a sua análise. O cosmos é-lhe objetivo na dimensão em que tem sua existência estruturada em leis diversas, independentemente da consciência humana. Tal processo é o conhecimento. Evolutivo: em movimento permanente para sínteses mais altas. Dialético: nesta relação consciência-mundo, cuja expressão magna é a sua liberdade, daí resultando a gradativa incorporação da objetividade à subjetividade humana, isto é, ao seu interior. Histórico: limitado ao Espaço, Tempo. Obtida pelos órgãos dos sentidos e interpretada em seu sistema nervoso central superior. Superando o momento desta elaboração, retorna ao mundo objetivo sob a forma de ação, numa tensão constante entre a liberdade e o mundo. A consciência histórica é a síntese dialética de todos esses momentos entre si.
     Entretanto, há outro movimento das consciências entre si. Tendo o mundo como mediação, elas se comunicam, estabelecendo o relacionamento dos homens, cuja essência se processa ao nível das subjetividades, isto é, no interior das pessoas, inteirando-as ao nível de humanidade. O relacionamento médico-paciente é uma forma particular do mesmo. Completam-se, destarte, as bases do processo. Adendos seus desdobramentos existenciais.
      Em sua visão do passado, a consciência humana se possibilita uma reflexão acerca das origens, construindo e reconstruindo, incessante e laboriosamente, a existência passada, ao nível dos movimentos de comunicação entre consciências e entre consciência e mundo. Escreve, assim, a História. Em amplo exercício da sua liberdade, encontra o universo em movimento, isto é, a sua organização, entendida esta em seu sentido evolutivo: "do mais simples ao mais complexo".
      Ainda pela sua eminente expressividade, que é a sua liberdade, à consciência humana é dada a condição do encontro com este universo em movimento. Ela desvenda historicamente os seus meandros. Chega ao átomo, às leis fisico-quimicas da matéria. Desvenda a Pré-Vida. Conceitua suas ligações na estruturação de moléculas simples, e destas às mais complexas, até que, entendendo-se sua complexidade no "sentido de funções mais diversificadas", possibilitem a emergência das primeiras formas de Vida. Estas, inicialmente rudimentares, e permanentemente aglutinadas pela energia interior de seus componentes, ou "afinidades químicas", prosseguem nesse movimento, inimaginável mas perceptível, alcançando nesse processo formas mais complexas de vida. As ciências paleontológicas, geológicas e antropológicas explodem, a cada instante, em novos conhecimentos sobre os infindáveis processos específicos, das mais diferentes formas de vida que vão aflorando e acabam por demonstrar que, em sua forma mais complexificada de vida animal, há o momento em que o movimento da matéria nervosa, aglutinada por sua energia interna e interligada com outras formas teciduais da vida, faz emergir "o passo da reflexão" dentro dela. É a emergência da consciência no interior desta incomensurável organização material viva.
      A vida tomando-se consciente, eis o fato novo.
      Em sua visão do passado ainda, ampliando este processo, ocorre-lhe a reflexão sobre a causa inicial.
      Se todo o conhecimento é potencialmente alcançável, e a reflexão científica o vem demonstrando, ao nível do micro e do macrocosmos, parece lógico que a exigência última da racionalidade humana seja a de discutir a origem do Ser.
      Há os que negam esta posição, em face de que o conhecimento objetivo não teve à disposição, até hoje, um instrumental metodológico adequado para atingir esta causa inicial. Então, se ela não pode ser cientificamente demonstrada, não haveria sentido em sua perquirição. É a posição do Racionalismo e do Agnosticismo. Seus fundamentos estão em Emmanuel Kant (Critica da Razão Pura e Critica da Razão Prática).
      Por outro lado, há os que afirmam a validade desta posição. Na ausência de provas científicas, aceitam colocar a Razão Humana, sem a experimentação, para refletir logicamente sobre o tema ontológico.
      Emergem, assim, as concepções panteístas, interpretando a causa primeira dentro do mundo. É a eternidade do movimento. Karl Marx, Friederich Engels, Jean-Paul Sartre, Bertrand Russel e Jacques Monod podem ser citados como as mais vivas expressões, nos séculos XIX e XX, desse panteísmo, o qual, aceitando, mas também não provando, crê numa eternidade: na imanência absoluta do movimento.
      Surgem, também, os que reconhecem uma causa primeira transcendente. São os deístas. Para eles, o eterno transcende o universo, ultrapassando as dimensões do Espaço-Tempo. O movimento não é mais o fundamento exclusivo do Mundo. Esta visão pode convergir no Universo de Einstein.
      Todavia, nos deísmos há outras opções. De um lado estão os que concebem o primeiro principio como impessoal e energético, do qual sai, riam partículas, "as mônadas", as quais "desceriam" ao Universo para constitui-lo. Cada ser, cada homem. O objetivo final, segundo esta concepção, seria o retorno, o mais rápido possível, do ser á causa inicial. Nesse movimento constante de vai-e-vem não há criação, não aparece o novo. Há, sim, um fluxo permanente de saída e de chegada, a partir da causa primeira, trazendo como conseqüência a idéia do Universo-degradação. O Eterno Retorno é a base das filosofias reencarnacionistas. A Reencarnação, a lei do Kharma e o Deus impessoal são as marcas dos Hinduísmos dos Upanhishads, do Budismo, do Confucionismo. Também em Platão e Plotino elas se revelam. E se concretizam em Spinoza e nos fenomenólogos do século XIX Fichte, Husserl, Dilthey).
      E, doutro lado, chegamos aos que concebem o Eterno Transcendente como pessoa. Em decorrência, Deus é pessoal e o Mundo, um movimento em permanente criação e evolução. Cada ser que emerge é o novo, advindo do ser que o antecede. O movimento é, então, uma gênese. Esta visão permite conceber relações pessoais das consciências entre si, bem como com a Consciência Suprema Pessoal. Esta visão já aflora em Sócrates, desabrocha em Aristóteles, e se clareia no Judaísmo e no Cristianismo, estes os seus exemplos mais marcantes.
      Consciência de si, consciência para si, consciência do outro e para o outro, eis, em resumo, o processo fundamental do desenvolvimento da consciência histórica. Evidentemente, há muito mais a esclarecer quanto a aspectos específicos deste processo, em relação ao já formidável volume de conhecimentos estabelecidos. É o grande desafio do Universo á consciência. Mas ela já interpreta muitos fatos e os interliga numa sucessão cada vez mais coerente de idéias. Há já um esboço de sistematização: a Teoria da Evolução. A consciência humana analisando todo um passado, na tentativa de alcançar o primeiro momento do Tempo. É o seu potencial se transformando em ato. Ou a frutificação dos talentos.
      E, assim, ela vê o Presente. Interpreta cada vez melhor e mais os conhecimentos atuais. Reafirma as verdades, reconhece os erros. Outras vezes não os reconhece, e então simula. Isto se exterioriza, em seus vários aspectos, num movimento de contradições. O conhecimento do Presente aperfeiçoa o do Passado e prepara o do Futuro. Há um processo interligado. No passo da reflexão, que é conscientização e, portanto, hominização da Vida, daquela matéria altamente organizada e complexificada, a Consciência inicia a sua história. Isto é, emerge no processo evolutivo como o fato novo. Assim, passa a influir, como tal, nesse processo, conceituando-o. É a História humana se iniciando. Esta fase ainda permanece obscura para a consciência presente, em múltiplas nuances.
      Mas há que considerar um elemento transformador nisso tudo: o mundo se transformando em seu movimento, a consciência se transformando para melhor conhecê-lo, e ela transformando este mundo objetivo. O homem é, então, simultaneamente intérprete e ator na evolução. A ação transformadora se desenrola em um movimento evolutivo a partir das relações entre o homem e a natureza objetiva que o circunda. O homem a interpreta pelo conhecimento e a transforma pelo trabalho. Nascem as forças produtivas e as relações de produção, as quais assumem seus moldes específicos nas diferentes eras da História, até os tempos atuais.
      A natureza é transformada para se tornar adequada às necessidades humanas: natureza humanizada. São de dominação essas relações. O homem domina a natureza e a Consciência passa a dirigir também a Evolução. Isto é, como mais um fator fundamental na sua causalidade.
      É o poeta Geraldo Vandré quem diz:
            "Esperar não é saber.
            Quem sabe faz a hora,
            não espera acontecer."
      As consciências podem se relacionar também entre si. Para cada ser consciente, as outras consciências lhe são objetivas. Há, outrossim, uma subjetividade em cada uma. E, entre elas, a indispensável mediação do mundo objetivo. Emerge o processo de comunicação das consciências, o qual, na visão de pessoa, e expressando a liberdade humana, deve se fazer em termos de reconhecimento mútuo, isto é, de sujeito para sujeito.
      E, em se tratando do ser livre, já a contingência desse fenômeno assume uma relação de dominação. O homem domina o homem e a relação se torna sujeito-objeto, uma distorção de finalidade, a qual o tira de sua verdadeira condição humana e o situa noutra, estranha a si mesmo. É a alienação humana, criteriosamente descrita por Marx em Manuscritos Econômicos e Filosóficos. Tal processo chega á nossa época com várias transformações, sem que o seu mecanismo básico tenha sido destruído. Eis o grande desafio para as gerações atuais.
      Na voz do teólogo Pedro Casaldàliga encontramos as palavras:
            "Deus está doente na carne do homem.
            E esta bata branca, com sangue de Pobre,
            Só se lava em vida, não se lava em morte."
      A característica essencial da objetivação humana reside, portanto, nas pressões sobre sua liberdade. Mas se iludem aqueles que, pressionando-a, pensam ter acabado com ela. A liberdade se retrai e, mais adiante, reage com força característica e impulsiona novamente o movimento para frente.Quanto mais pressionada, mais intensa é a reação de sua mola propulsora.
      Na poesia de Chico Buarque de Holanda, encontramos a voz desta liberdade:
            "Apesar de você, amanhã há de ser outro dia."
      O afrontamento do grande desafio contra a alienação prossegue. Na dependência de que as consciências o aceitem e o encarem, nele se engajem e modifiquem o seu curso. Enquanto isso não ocorre, a omissão permanece. E a alienação também.
      Exclama o Pe. Jean Lacroix, em Marxisme, Existentialisme et Personnalisme:
            "Le bourgeois est contentement, donc inconscience. Il est aliene sans le savoir."
      Tarefa monumental aguarda, assim, as presentes e futuras gerações, pois as profundezas da alienação atingem os meandros da espécie humana. A ponto de Emmanuel Mounier declarar, em Le Personnalisme:
            "Le Marxisme a raison d'affirmer que Ia fim de la misère matérielle c'est la fin d'une aliénation et une étape nécessaire au développement de l'humanité. Mais elle n'est pas la fin de toute l'aliénation, même au niveau de la nature."
      Sem a participação conscientemente admitida, jamais chegaremos ao termo deste magno combate. E a consideração de que a consciência seja simplesmente um epifenômeno da Matéria e da Vida implica este risco.
      E ela vê o Futuro. Isto exige, basicamente, um posicionamento acerca do Fim da História, o qual é filosófico e, como tal, encerra um aspecto messiânico. Numa reflexão de criação de projetos que modifiquem o movimento objetivo do Mundo. E se tornando, também, este movimento, na medida em que o transforma.
      Posicionando-se em relação à História, há os que a aceitam e os que a negam. Estes, místicos e mitológicos, dela se afastando, vivem exclusivamente para seu objetivo, tentando as soluções dentro dessa perspectiva. Extrapolam sobre dados isolados da realidade do mundo. Fadados ao insucesso, por não se interligarem com o Real. Quanto aos místicos que se alienam da realidade objetiva, sua validade reside em desenvolverem uma experiência pessoal de auto-educação. Porém sem o devido engajamento.
      Entretanto, há os que se engajam na História, entendendo-a como uma sucessão de fatos isolados, sem ligação entre si. A História é, para eles, uma simples sucessão de acontecimentos.
      Todavia, há os que interpretam os mesmos fenômenos como interligados entre si, pressupondo uma causalidade comum. A objetividade do Mundo demonstra que não há efeito sem causa. Dentro dessa perspectiva, ainda há opções, que se vão desdobrando. Desde os que não admitem um sentido essencial para esses fatos históricos até os que o aceitam.
      A concepção existencialista do Mundo é o mais marcante evento concreto para quem concebe a liberdade como um acidente. A História não pode, então, ser tecida em torno de um sentido essencial. O Acaso é o seu primum movens. E o Nada a sua categoria absoluta.
      E há os que reconhecem um sentido essencial para toda a Existência do Ser, da qual a História humana é uma etapa decisiva mas não a Totalidade.
      O desdobramento interpretativo segue ainda seu movimento, diversificando-se entre a lmanência e a Transcendência. É o Materialismo Filosófico, que tudo concebe em função duma imanência absoluta. Reconhece a objetividade do mundo, o movimento evolutivo libertador e crescente do homem. A ele é conferida a eternidade. A natureza é intrinsecamente dialética, a matéria é o ser permanente e a consciência uma categoria acidental, isto é, um epifenômeno. A dimensão de pessoa não é sua essência, e o risco de a mesma se diluir no coletivo se evidencia.
      A liberdade humana também se condiciona, social e politicamente, na massificação e não no universo pessoal.
      E, por fim, há os que entendem a História como um processo em que o Mundo Real evolui fenomenologicamente, mas cujo movimento imanente busca uma transcendência espácio-temporal. A interligação se estabelece pela comunicação das consciências, de todo esse processo evolutivo, histórico-dialético. Há um sentido essencial para o mesmo. A Consciência é o seu fundamento, com os condicionamentos que a circundam e sobre ela tensionam. É o Universo Pessoal, seu grande objetivo histórico.
      E, assim, a Evolução se volta sobre si mesma, fazendo convergir no homem o Passado, o Presente e o Futuro.
      Na evolução da Vida, após o homem emerge o médico. Da visão do passado pode-se inferir que a doença antecedeu a Medicina. O homem, inicialmente sucumbido diante dela, passou a tentar dominá-la. Hospitais, medicamentos, procedimentos cirúrgicos, técnicas diagnósticas, enfermagem, formação e ensino médico, laboratórios, todos têm a sua história. Desde seu surgimento na sociedade humana até suas influências sobre fases mais atuais, convergindo para um objetivo: a pessoa humana.
      O relacionamento médico-paciente é uma forma de comunicação de consciências. Seu ponto de encontro é o sofrimento. Há explicações lógico-científicas para ele, em aspectos parciais. Porém, a totalidade da servidão humana possui uma conotação mística, no sentido em que a entende São João da Cruz. O sofrimento humano é, por conseguinte, o contato entre a humanidade e o médico.
      O médico, ao contatar com o doente, deve ter em mente a sua dimensão total. Não somente enxergar nele as facetas inúmeras da doença, mas, outrossim, todos os graus de alienação a que ele está submetido pela sociedade contemporânea. Pois, consciente ou inconscientemente, a abordagem médica implica sempre o seu envolvimento.
      Assim, a recusa e a aceitação do sofrimento se unem, nesta relação, de um modo antitético e ambivalente. A recusa se manifesta na busca, pelo homem, de soluções para problemas até então insolúveis. Nos dias de hoje, o exemplo mais típico é o das neoplasias. Desde os seus primórdios, o Homem vem se defrontando com a doença, seu padecimento. E é na sua recusa que surge a motivação para suplantá-lo. A recusa implica, portanto, a possibilitação da pesquisa do problema, até então insolúvel, bem como a elaboração trabalhosa de sua solução.
      E é Teilhard de Chardin quem define, em Ciência e Cristo:
            "A cruz não é apenas a símbolo da expiação, mas também o sinal do crescimento através da dor."
      A recusa e a aceitação do sofrimento são dois momentos de uma só realidade em transformação.
      A abordagem do ser padecente exige a possibilidade da profunda identificação entre o médico e o doente, como também a sua recusa. Nesta posição, embora superdotado de todos os conhecimentos possíveis até aquele determinado momento histórico, o médico jamais ultrapassará os limites da objetivação do enferma. Aborda-o de fora e não o penetra, nem o sensibiliza. Mas, pela ultrapassagem dessa barreira, poderá colocar-se nas profundezas de uma natureza humana. Então, "estranhas energias" se desprendem, com caráter libertador. E os ditos "milagres médicos" passam a acontecer, como decorrência do desapego do médico.
     O Pe. Teilhard ressalta:  
            "O desapego não consiste exatamente em desprezar e rejeitar, mas em atravessar e sublimar." (L'Énergie Humanine).
      O processo do relacionamento médico-paciente constituindo-se do interior para o interior de cada ser, concretizando-se numa união criadora, numa síntese de duas individualidades e possibilitando a emergência do novo. A solução do que vinha sendo, até então, insolúvel, brota, floresce e frutifica. A doença se torna curável. Belo retrato deste quadro encontra-se em Geraldo Vandré:
            "Certezas e esperanças prá trocar
            Por dores e tristezas que, bem sei, Um dia ainda vão findar."  

      A margem do sofrimento humano se reduziu. E a humanidade, menos padecente, estará mais feliz.
      Entretanto, ao lado da beleza, novos problemas, interrogações e posições vão surgindo para o médico. Ele não é absoluto. É também um ser histórico. O sofrimento inevitável lhe cai em face, incessantemente. Ele, covardemente, pode afastar o cálice.   
            Pai! Afasta de mim este calce com vinho tinto de sangue." (Chico Buarque).
      Ou, corajosamente, aceitá-lo. E prosseguir em sua espinhosa e sublime missão, afrontando os desafios. A morte inevitável e a doença incurável o levam à resignação, pois o conhecimento científico não é absoluto. Justamente por ser dialético e histórico, não pode proporcionar ao médico soluções definitivas. E a inevitabilidade dessa condição conduz o médico a uma ambigüidade: ao mesmo tempo que não pode solucionar tudo, não pode se afastar do problema. O movimento entre a cura e o sofrimento inevitável, ou o mal incurável, é permanente. De tese-antítese, buscando sínteses superiores e se desdobrando incessantemente em novas etapas, construindo simultaneamente, aos poucos, um sedimentado edifício de toda esta experiência humana, que, em resumo, é a Medicina.
      E a figura do médico, neste processo, pode ser resumida por Nothnagel, professor de Clínica Médica em Viena, no inicio do século:
            "O médico raramente cura, muitas vezes alivia, mas sempre consola.''
      O médico é a síntese da humanidade. Nele convergem as características da Ciência, os aspectos mitológicos do inconsciente coletivo, o sofrimento humano, as problemáticas políticas e sociais, a poesia, a dor e a beleza do mundo. Equivocam-se os que supõem que ele possa escapar disso e viver um mundo apenas seu. Está na raiz da Medicina a ligação essencial com o humano. E esse humano é tudo isso. E muito rituais, até o agora desconhecido para nós, como bem a propósito assinalava o professor Alexis Carrel, Prêmio Nobel de Medicina em1912, em O Homem, Este Desconhecido.
      A opção é bem clara. Ou a recusamos: então o paciente é visto tecnocraticamente. "Les hommes contre l'humain", proclamava Gabriel Marcel, em voz alta, criticando essa ótica. Ou a aceitamos: então assumi, mas o todo doente, cada doente, todos os doentes. E a compreensão das múltiplas dimensões dos pacientes, que fez Letamendi pronunciar:
            "Quem pensa que só Medicina sabe, nem Medicina sabe", se torna real.
      O homem é a unidade. Não um sistema, ou um aparelho. A proclamação de Louis Ramond, em Lições de Clínica Médica Prática, é, a propósito, bastante elucidativa:
            "Neste século de especialização sem misericórdia, tem-se facilmente a tendência de esquecer que as especialidades são criações do espírito humano.
            Necessárias, é verdade, pela amplitude dos conhecimentos médicos e pela delicadeza das técnicas, mas que a natureza não conhece. O corpo humano é um, e o olho, a orelha, as vias urinárias e as vias digestivas não têm nenhuma autonomia em face da doença.''
      Assumir isso é uma opção gigantesca. Desde reconhecer o outro como sujeito até a si mesmo como limitado. Sem a ilusão de chegar um dia ao conhecimento total, ilusão que Goethe retratou muito bem em O Fausto, o médico que vendeu sua alma a Mefistófeles em troca do saber absoluto. E que, com isso, saindo da condição humana, caiu na desesperança total e se destruiu.
      O caminho que podemos sugerir é diverso: o de buscar, incessantemente, o aprofundamento da condição humana. Então podemos dizer, com Blaise Pascal:
            "Não censurar, não louvar a criatura humana, mas, entre gerridos, buscá-la."
      Seu aperfeiçoamento, seu crescimento, assumindo-a radicalmente, até as últimas conseqüências, cujo limite não se pode divisar a priori, bem como até o extremo que a "energia humana" de cada ser o possibilite. Ora, se cada um de nós não pode tornar-se o absoluto, a via da comunicação entre consciências, em termos de reconhecimento, é a única possível que respeite as características de humanidade.
      O Perdão implica o envolvimento profundo da existência de um médico. Sua ocorrência verdadeira pressupõe fundamentalmente dois seres: o que perdoa e o que pede perdão. Houve, alhures, quem definisse o Amor como "jamais ter que pedir perdão". Sem dúvida, este é o estágio da perfeição. Porém, ao nível do imperfeito, há que pedir perdão. É, também, uma das muitas maneiras de amar. Pressupõe fundamentalmente uma espiritualidade muito profunda, uma autoconsciência determinada. O Ser que pede perdão revela uma atitude de desapego. O Ser que o concede, também. É uma profunda forma de diálogo humano, trabalhosa, difícil, penosa. O perdão é uma expressão da liberdade do ser, pois, em meio a um clima enorme de dificuldade e de dissociação que esteja ocorrendo em um relacionamento humano, ele, e somente ele, poderá efetivamente mudar o curso desse movimento, partindo de um estado de alienação para o de um encontro de consciências. Se não mais "ter que pedir perdão" é a paz do amor, ter que pedir perdão é a redenção no amor. Entre quem o pede e quem o concede existe uma união criadora, conduzindo dois seres à retomada humana no movimento evolutivo da vida.
            "Tanto amor para amar, de que a gente nem sabe." (Carlos Lira e Vinícius de Morais).
      O seu não reconhecimento radical conduz ás abomináveis formas de tortura. A sua aceitação como valor fundamental da existência humana implica reconhecer um Absoluto, Pessoal, com sua eterna competência em concedê-lo.
      A Morte é a suprema alienação para o homem, em sua existência histórica. É uma constante no Universo, como antítese permanente da Existência. O conceito de existência é mais amplo que o de vida. Esta é uma forma de existência que emergiu num determinado período da evolução do mundo, quando já existiam milhares de fenômenos materiais preparando-a.
      E cada um desses seres que antecederam a vida no tempo, que tiveram sua história e seu desaparecimento como tal, tiveram a sua morte. Mesmo que se tenham transformado, como ser individual, tiveram a sua morte. A Morte existe, portanto, como condição fundamental da permanência da espécie. Ela é a manifestação do Nada, como categoria filosófica, a partir do momento em que o Ser passa a existir. Ao nível da Vida, ela continua existindo, sob formas diversas, porém conservando a essência do desaparecimento do ser particular. Ao nível do humano, ela se torna mais complexa, conferindo com a maior complexificação do próprio Homo sapiens. Eis um quadro sumário da Morte, com a qual, mais cedo ou mais tarde, todos nos defrontaremos. E o médico encontra-o a cada momento de seu ser.
      Encarada pelo ângulo da suprema alienação, a questão é saber se a morte biológica do homem é o fim do ser individual, ou não. Na concepção materialista, é o fim de toda a dimensão humana da pessoa. O Amor está fadado, então, a ser vencido pela morte do ser. Ou o ser supera a morte e o Amor a vence - é a outra dimensão. Nesta há uma ultrapassagem para algo que a consciência histórica não alcança, mas que a lógica metafísica pode pressupor. As opções são filosóficas, em face de o conhecimento científico não ter ainda elucidado este problema.
      E ao médico, mais do que aos demais, não resta alternativa, a não ser a de uma opção filosófica, diante de um problema que para ele, principalmente, é uma rotina. Sentida sem uma definição, a Morte desencadeia o temor, pais esta é a reação do homem diante do que lhe é desconhecido. Reação que fabrica, então, em sua mente, mitologias diversas. Por outro lado, se a incerteza científica é iniludível, uma opção filosófica define melhor o posicionamento de cada um. Visão escolástica ou visão aberta: eis a opção de cada consciência.
      E, então, poderemos dizer com Morris West:
            "Não fiquei realmente com medo. Compreendo, agora, que a morte é um evento logo esquecido, logo terminado. Mas ser um homem é um grande evento..."
      É o convite claro para a aceitação conseqüente da condição humana, na qual a Vida prevalece.
      A liberdade humana, não só respeitada, mas em crescimento, desenvolvendo o pensamento. O diálogo, como conseqüência da necessidade da troca das informações científicas, em sentido amplo, tanto na pesquisa como no ensino e no trato com o paciente, disto resulta o verdadeiro espírito universitário, no qual não há lugar para o pedantismo intelectual dos que se iludem com sua própria auto-suficiência. William Osler dizia:
            "Uma grande Universidade tem dupla função: ensinar e pensar." Isto só se torna possível á medida que os componentes humanos universitários se capacitem e atuem numa profunda atitude de diálogo humano.
      A sistematização de uma sociedade humana em que estas posições se concretizem na atividade econômica, isto é, na produção de sua infra-estrutura; na política, processo de possibilitação da convivência humana e da realização de projetos; na social, onde os seres humanos se reconheçam, de consciência a consciência, pela mediação do mundo; na educação, onde o crescimento da consciência crítica diminua os condicionamentos do inconsciente mitológico na exteriorização do comportamento. E permita que não mais seja, então, preciso dizer o que se afirma hoje, parodiando Yung, em O Homem Moderno em Busca de uma Alma.'
            "Está se tornando cada vez mais óbvio que não é a fome, nem os micróbios, nem o câncer, mas o próprio homem, o maior perigo para a Humanidade, parque ele não dispõe de proteção adequada contra epidemias psíquicas, infinitamente mais devastadoras que as maiores catástrofes naturais."
      Então é preciso possibilitar:
          - a recusa radical das relações de dominação entre os homens, as quais deverão ser de sujeito para sujeito;
          - a passagem da poder discricionário para o poder democrático, este entendido como participação consciente da cidadania;
          - da dominação de uma nação sobre outra para a inter-relação entre as nações; contra os imperialismos;
          - da dominação do homem sobre a mulher, e vice-versa, para uma dialética do humano, de sujeito para sujeito;
          - da educação impositiva para uma educação de diálogo;
          - da pesquisa visando fortalecer o poder para a pesquisa que liberte o Homem;
          - a Universidade abstrata para a concreta, voltada para as realidades nacionais e regionais;
          - da cultura importada para a cultura do povo;
          - da sexualidade repressiva e libertina, ambas objetivantes, para a do reconhecimento humano;
          -  das mitologias para o conhecimento lógico-científico;
          - dos privilégios às soluções comunitárias;
          - das ortodoxias fechadas, que levam á morte, para a abertura da vida;
          o da recusa da visão conspirativa para uma História sem dominações;
          - a síntese dialética entre o racional e o emocional dentro de cada pessoa;
          - a produção econômica do alimento, do remédio, do vestuário e da habitação dirigida para o faminto, o doente, o despido e o despojado, os quais, na andança humana, estão juntos.
      Então, com Castro Alves podemos cantar:
            Da Escravidão...   
                  "Oh! Cristo!
                  Embalde morreste sobre um monte,
                  Pois teu sangue não lavou da minha fronte
                  A mancha original.
                  Ainda hoje o são, por fado adverso,
                  Meus filhos alimária do universo
                  E eu, pasto universal."
                  (Vozes d'África)
        Para a Liberdade:  
                  'Lançai um, protesto, oh! povo!
                  Protesto que o mundo novo
                  Manda aos tronos e nações."
                  (O século)
      Meus amigos, colegas e paraninfandos. Estes são os esboços dos caminhos que a visão do mundo e médica deste vosso professor vos pode delinear, neste monumental momento de vossas vidas.
      Calcados em alguma experiência humana existencial, obtida no contato com pacientes e médicos, bem como numa atitude de reflexão permanente, buscando sintetizar teoria e prática numa unidade, numa práxis. É, ainda, uma curta experiência, porém intensa e radicalmente vivenciada a cada momento da existência.
      Embora admitindo, ainda, grandes limitações para vos aconselhar muito, ousaria sugerir-vos o Pe. Antônio Vieira, o qual, no Sermão da Sexagésima, asseverava:
            "Pregador que pregais com armas alheias, não hajais medo que derribe gigante."
      O valor fundamental do Conhecimento, do Diálogo, da Liberdade, da Dignidade Humana, da Pessoa e do Amor, sintetizados na relação clínica entre o médico e o paciente, os quais, na verdade, são tudo isso.
      Eles são a Medicina!
      Pensai sempre por vossas próprias consciências. Não dependais das mentes alheias. Assumi vosso ser ontológico. Ouvi, no diálogo, desde o que considereis saber menos do que vós, até aquele que saiba mais, segundo a sugestão do grande físico Lecomte-Du-Nöuy, que, em O Futuro do Espírito, citava Pta-Hotep. Não aceiteis nada além do que vossa liberdade possa permitir, vossa ética aquiescer e vosso amor retribuir, sob pena de severa omissão perante vós próprias e de perda do valor maior que é a razão de existir de uma pessoa: o respeito perante si mesmo.
      Então, abra-se em leque a verdade que o filósofo francês Maurice Blondel proclamou como "a mais humana": a interação, dentro de cada um de vós, entre o Ser, o Pensamento e a Ação.
      É o que vos desejo, com toda a sabedoria de minhas razões, tanto das racionais como daquelas que a razão desconhece, ou seja, as do coração do meu ser.
      RÉGENIS BADING PROCHMANN

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Datafolha confirma grave ameaça no atendimento pelos planos, diz APM

Segundo o presidente da Associação Paulista de Medicina (APM), Jorge Curi, a situação vivida por médicos e planos de saúde já era conhecida, mas a pesquisa confirmou a grave ameaça no atendimento qualificado pelos planos.


Ele disse que a associação está discutindo o assunto há anos com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e com as operadoras, mas não tem encontrado solução. “É lamentável que as pessoas acabem dispondo de um contingente financeiro importante para garantir um atendimento mais abrangente para sua família e infelizmente não atinjam esse objetivo”, afirma.

Curi disse ainda que o baixo preço pago pelas consulta (de R$ 3,00 a R$ 4,00) também prejudica o atendimento. “Rápido nunca é bom, porque, para uma boa relação entre médico e paciente, é preciso entendimento, tempo para ouvir e entender melhor o problema, de forma a auxiliar e programar melhor o tratamento. Da forma atual, a relação médico-paciente está totalmente prejudicada”, avalia.

Para modificar a situação, o presidente da APM aponta como solução o debate nacional com a participação da população que tem plano de saúde e com pesquisas de satisfação que indiquem os principais problemas do ponto de vista do usuário. “É necessária uma revisão urgente da regulamentação dos planos e, se não há poder para a agência regular esse mercado, ele deve ser dado a alguém. Nós nos colocamos permanentemente abertos para negociar. Vamos levar isso ao Ministério Público Federal e pedir providências urgentes da área legislativa e governamental do País", completa.

Outro lado

Como gestoras dos recursos destinados à saúde privada, as operadoras consideram que o médico é soberano no diagnóstico e tratamento dos pacientes. A Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), entidade representante das operadoras, esclarece que suas afiliadas não fazem nenhuma restrição ao acesso a serviços como internações e exames, desde que estejam previstos nas coberturas contratuais dos planos e nas diretrizes determinadas pela ANS.

No ano passado, por exemplo, foram autorizadas 62 milhões de consultas e 146 milhões de exames em todo o País. A observância de critérios é fundamental para garantir o bom funcionamento do sistema e a assistência efetiva aos beneficiários.

A FenaSaúde representa 15 grupos de empresas de plano de saúde responsáveis pela proteção de 18 milhões de beneficiários, o que representa 32% do setor. São associadas à federação seguradoras especializadas na área (Bradesco Saúde, SulAmérica Saúde, Brasil Saúde, Porto Seguro Saúde, Marítima Saúde, Allianz Saúde, Unimed Seguro Saúde, Tempo Saúde, Notre Dame e Itauseg), operadoras de medicina de grupo (Amil, Intermédica, Golden Cross, Excelsior, Care Plus e Omint) e operadoras de odontologia de grupo (Odontoprev, Metlife e Interodonto).

Em nota, a Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge) afirmou que não faz parte de suas atribuições discutir remuneração a prestadores de serviços (médicos, hospitais e laboratórios). Segundo o texto, a entidade não participa das decisões sobre pagamento de serviços entre esses prestadores e as operadoras de planos de saúde, o que já é consolidado em contrato.

"É, portanto, livre a negociação entre as partes sobre os serviços a serem prestados. A remuneração é variável tanto sobre os valores acordados como também sobre quaisquer outras particularidades do relacionamento entre operadoras de planos de saúde e seus prestadores de serviços", destaca a Abramge.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Inconstitucionalidade do art. 1º-F da Lei 9.494/1997 na redação dada pela Lei 11.960/2009

Quando há débito previdenciário constatado pela Autarquia, sempre se impõe o pagamento de juros e multa, além da correção monetária.




É mais do que lógico que uma dívida previdenciária, de caráter alimentar, além da necessária correção monetária, seja acrescida de juros de mora de 1% ao mês.



Constatado que o Estado é o maior réu de nossas Cortes, o natural seria investigar e corrigir os problemas administrativos de forma que os direitos não tenham que ser reconhecidos somente na esfera do Poder Judiciário.



Em visível confusão, onde prevaleceu a defesa do cofre, em detrimento do reconhecimento e recomposição do patrimônio jurídico, in casu, do segurado credor, editou-se lei que flagrantemente atenta contra o espírito republicano de dar a cada um o que é seu.



Em decisão proferida nos autos 2009.70.00.000984-7 (PR) da 1ª Vara Federal Previdenciária de Curitiba, restou alertado sobre a imoralidade de se confundir interesse público e cofre público.



Afinal, não se almeja o bem comum, avolumando o cofre em detrimento do reconhecimento e recomposição integral do dano causado pelo Estado. Vejamos a decisão (http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/visualizar_documento_gedpro.php?local=jfpr&documento=4224733&DocComposto=60015&Sequencia=60&hash=e1791b2a91e4cba4a47141227f5d7593):



"Ante o exposto julgo prescritas as parcelas devidas antes de 15/01/2004. Julgo procedente o pedido para condenar o INSS a revisar a RMI do benefício 103.570.467-3, considerando os salários-de-contribuição de março/1993 a março/1996, e via de conseqüência, revisar a RMI da pensão por morte auferida pela autora (NB 140.010.981-4). Condeno o INSS ao pagamento das parcelas atrasadas respeitada a prescrição qüinqüenal, corrigidas monetariamente desde cada vencimento pelos índices de reajuste dos benefícios previdenciários e juros de mora de 1% ao mês, contados da citação. Deixo de aplicar o art. 1º-F da Lei 9.494/1997 na redação dada pela Lei 11.960/2009 ("nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração de capital e compensação da mora, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança") porque é absolutamente inconstitucional essa tentativa da Fazenda Pública locupletar-se às custas dos jurisdicionados. Ademais, sua aplicação por parte do Poder Judiciário vai contra a jurisprudência já consolidada de que a correção monetária não é um plus, mas apenas mantém o valor da condenação. Finalmente, a redação de tal dispositivo legal é um prêmio para a Fazenda Pública, que além de não cumprir a lei, acaba sendo condenada pela Justiça a pagar menos do que o efetivamente devido. Condeno o INSS ao pagamento de honorários advocatícios que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor das prestações devidas até esta data. Sem custas, ante o deferimento da gratuidade da justiça. Determino que no prazo recursal o INSS traga aos autos o cálculo do valor da condenação. Esta sentença estará sujeita ao reexame necessário somente se o valor da causa exceder a sessenta salários mínimos. Publique-se. Registre-se. Intimem-se."

(autora MARIA JUREMA BARBOSA ROGENSKI – advogada ROSE KAMPA – réu INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS - 2009.70.00.000984-7 (PR) – 1ª Vara Federal Previdenciária de Curitiba)



Iincidentalmente, devemos portanto pedir a declaração da inconstitucionalidade da alteração legislativa trazida pela Lei 11.960/2009 à Lei 9.494/97, em seu artigo 1ºF. O INSSdeve continuar a ser condenado ao pagamento de juros de mora de 1% ao mês.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

QUEREMOS UMA PERÍCIA CORRETA

Queremos uma perícia correta


O INSS possui dois discursos opostos quando se trata de benefício por incapacidade. Sob os holofotes os dirigentes da autarquia pedem aos peritos médicos para promover o ato médico pericial da forma mais séria e eficiente possível, pois o objetivo da Previdência em uma suposta nova era é o reconhecimento dos direitos do cidadão.

Mas o discurso de alguns médicos peritos bem revela a pressão que administrativamente sofrem, com a liberdade profissional ceifada por normas internas, de caráter secreto e publicação exclusiva, quando muito, em Boletim Interno.

Os peritos médicos do INSS acabam focando o fluxo de caixa o que prejudica a qualidade do ato médico.

O Ministro da Previdência e o Presidente da Associação dos Médicos Peritos da Previdência Social disseram no II Congresso Brasileiro de Perícia Médica Previdenciária realizado em abril/maio de 2009:

“Cabe à perícia médica defender os interesses dos cidadãos e com seu trabalho combater as fraudes e as filas no sistema previdenciário brasileiro. Para fazer com dignidade este trabalho os peritos médicos do INSS têm pago um preço pessoal muito grande. São duras e imensas as pressões que sofremos, dentro e fora da Casa. Ainda falta o entendimento da sociedade que perícia é um trabalho de qualidade, não de quantidade. Com nossa atuação séria e competente somos responsáveis pelo bem gastar dos recursos previdenciários, o que equivale a uma economia entre 10 e 12 por cento no déficit da Previdênciasalientou o presidente da ANMP.”

(http://www1.perito.med.br/003/00301009.asp?ttCD_CHAVE=84265)

“Pimentel pediu que os médicos peritos dediquem-se somente ao atendimento seguro, eficiente e qualificado aos segurados nas Agências da Previdência Social (APS). Para o ministro, a ideia de que os médicos peritos devem estar atentos aos custos de suas operações não faz sentido, porque a função deles é bem atender à população, garantindo laudos comprometidos com suas consciências e com a legislação.”

(http://www.previdenciasocial.gov.br/vejaNoticia.php?id=33689)

Um Médico Perito, ciente de que seus laudos servem de suporte à conclusão do processo administrativo de deferimento ou indeferimento de benefício por incapacidade, deve bem fundamentar a conclusão, o que se traduz em respeito aos valores republicanos.

O INSS já foi instado pela Procuradoria da República a respeitar o direito do cidadão de conhecer a fundamentação, especialmente nos casos de indeferimento do pedido:

"O Ministério Público Federal em Varginha (MG) recomendou à Gerência Executiva do INSS no município que, nos processos administrativos de concessão ou de prorrogação de auxílio-doença, bem como nos de concessão de aposentadoria por invalidez, as decisões de indeferimento sejam fundamentadas, com citação expressa dos motivos pelos quais o pedido foi negado.

Inúmeras reclamações têm chegado à Procuradoria da República em Varginha sobre a falta de fundamentação, pelos médicos-peritos do INSS, das decisões de indeferimentos dos pedidos de benefícios previdenciários. Segundo os reclamantes, esses indeferimentos vêm ocorrendo mesmo quando o segurado apresenta laudos e atestados médicos emitidos pelo SUS e por médicos particulares atestando a incapacidade.

Para o MPF, ainda que o médico-perito tenha o poder discricionário e total autonomia para concluir, de acordo com sua convicção e conhecimentos técnicos, pelo direito ou não do segurado ao benefício, ele não pode deixar de justificar as razões que o levaram a tomar tal decisão. "Esse é um direito básico do administrado, porque somente o pleno conhecimento da decisão permitirá o exercício da ampla defesa e do contraditório. Ou seja, se a pessoa não sabe por que razão seu pedido foi indeferido, de que maneira ela irá se defender ou, até, apresentar documentação que seja pertinente ao caso? É o que determina a Constituição e a própria Lei Federal 9.784/99, que trata do processo administrativo no âmbito da Administração Federal", defende o procurador da República Marcelo José Ferreira.

O procurador lembra ainda que o acesso à fundamentação do ato, além de possibilitar a fiscalização contra eventuais abusos, traz garantias importantes para o próprio INSS: "Os motivos das decisões poderão convencer o requerente da sua real capacidade para o trabalho, evitando-se, assim, aquele sentimento que norteia os segurados de que OS PERITOS RECEBERIAM UM BÔNUS DO GOVERNO PELOS INDEFERIMENTOS".

O INSS terá o prazo de 30 dias para informar se acatou ou não a recomendação e, em caso de acatamento, quais providências foram tomadas para efetivá-la."

(http://noticias.pgr.mpf.gov.br/noticias/noticias-do-site/copy_of_geral/mpf-mg-recomenda-que-medicos-peritos-do-inss-fundamentem-suas-decisoes-1/?searchterm=falta inss)

Em dissertação apresentada em curso de mestrado intitulado “DONOS DO PODER?”, Davidson Passos Mendes, 2006, UFMG, Departamento de Engenharia de Produção, na fl. 86, revela que o fluxo de caixa é um argumento oculto do médico perito para indeferir ou cessar um benefício por incapacidade laborativa:

"Também é comum uma restrição maior ao seguro previdenciário devido ao ‘endurecimento’ das regras de concessão de benefícios e ou suspensão dos já existentes, numa tentativa de diminuir o déficit existente da instituição."

Apreendeu-se o real objetivo do sistema informatizado do INSS, destacando-se das folhas 89/90 da monografia:

"Os peritos ressaltam a sua importância quanto à quantidade de dados fornecidos e a possibilidade de poder confrontar as informações obtidas do médico assistente através do laudo, do paciente através do exame físico e com os outros peritos através das informações disponibilizadas no sistema: “O sistema SABI tem as suas vantagens. Te dá muito mais informações. Você tem mais chance de acertar”. (Perito INSS/oficial)

Há uma confrontação de informações colhidas do sistema SABI com as fornecidas pelo paciente. O perito também compartilha informações e as tomadas de decisão com seus pares, mesmo virtualmente, via sistema SABI.

Porém, os peritos ressaltam também que o sistema atua como uma forma de encarceramento, de uma estrutura pétrea que tenta gessar a atuação pericial. Como citado por um perito oficial: “O sistema gerencia a atividade do médico. Coloca-se o CID e o sistema caracteriza o tempo médio de afastamento para aquela doença”.

O sistema tem um manual de procedimentos que os médicos deverão seguir para a concessão do benefício.

Se houver mudança você re–caracteriza. Há CID que o sistema nem prevê tempo de afastamento, não afasta de jeito nenhum. Se você achar que o quadro requer afastamento você deve enganar o sistema. (Perito Oficial)

Como verbalizado acima por um perito oficial, o sistema atua como fator limitante à atividade pericial. O sistema possui os CID’s (Classificação Internacional de Doenças) que poderão gerar afastamento por incapacidade com o tempo máximo de afastamento. O sistema busca, dessa forma, antecipar e limitar o trabalho pericial com o intuito de prevenir fraudes e baixar a concessão do benefício de auxílio-doença. Como citado por um perito oficial: “O sistema acaba interferindo muito no trabalho. Aumenta muito o número de perícias. Isso interessa alguém. Às vezes me sinto encarcerado. Nenhuma das datas dependem de mim. Tudo é organizado pelo computador”.

Em relação ao caráter de gesso do sistema, um perito credenciado verbaliza: “Alguns casos deveriam permanecer afastado mais tempo. O sistema deixa somente três meses”."


Pode ser atribuída a um computador a atividade médico pericial? Evidentemente que não, mas a caracterização desta ocorrência se pode perceber pelo tempo reduzido para realização das perícias em sede de processo administrativo do INSS.

Há relatos de perícias feitas em menos de 5 minutos.

O Diário do Grande ABC publicou em 23 de outubro de 2008 a seguinte notícia:

"Há dois anos afastada pelo INSS por problemas musculares, a auxiliar administrativa Márcia Brighente, marcou uma nova perícia para renovação do benefício na última sexta-feira. "Agendei a consulta no INSS de Diadema para 8h30 e só fui atendida às 11h", conta. Segundo Márcia, o médico-perito a chamou para sala e sequer deixou que ela encostasse a porta. "Enquanto ele falava comigo, conversava com outro médico da sala em frente. A única coisa que ele me perguntou foi há quanto tempo eu estava afastada, não me examinou, não olhou os laudos", disse Márcia. Em menos de três minutos, o médico pediu que a contribuinte se retirasse da sala. "Ele ainda comentou com o colega que naquele dia tinha dado alta para todo mundo. É muito humilhante saber que estamos nas mãos destas pessoas", desabafa. A assessoria do INSS alega que a auxiliar ainda pode recorrer da negação do benefício. Sobre o comportamento do médico-perito, a assessoria diz ter registrado uma reclamação na ouvidoria da previdência, que vai dar um parecer sobre o caso. A reportagem do Diário solicitou uma entrevista com o médico em questão, porém o INSS negou. "

(http://home.dgabc.com.br/pages/secao/impressao.asp?idN=1064811)

A OAB do Mato Grosso também vem acompanhando as denúncias dos trabalhadores, destacando-se do sítio virtual, de 4 de outubro de 2009:

"A mais grave das denúncias: peritos estão concedendo alta médica a trabalhadores vítimas de acidentes de trabalho sem examiná-los e muito menos ler os laudos que acompanham radiografias, ressonâncias magnéticas, tomografias computadorizadas e outros exames sofisticados. Se alguém reclama – e são poucas as pessoas que têm coragem de se insurgirem contra o tratamento que recebem na perícia médica, porque faixas colocadas em pontos estratégicos do setor intimidam os segurados sobre punições a que estão sujeitos se ofenderem servidor público – o perito justifica que as altas são programadas pelo INSS através do computador, com base na estimativa do tempo de duração da licença médica..."

(http://www.oabmt.org.br/index.php?tipo=ler&mat=4591)

Na rede mundial de computadores há vários registros de cidadãos descontentes com o atendimento dispensado pelos médicos peritos do INSS, revelando que os exames não são realizados, restringindo-se o perito oficial a abonar o diagnóstico e prognóstico estabelecido por um computador. Veja-se trecho do relato de maio de 2005:

"A minha perícia estava marcada para às 14:00 horas e saí de lá às 14:40 hs. Nesses 40 minutos o médico fez perícia em mais ou menos 12 pessoas. Já fiz várias perícias e nunca vi nada parecido. Perícia no atacado. Eu entrei na sala, mostrei os documentos (RG, relatório médico e exame), o médico perguntou o que eu sentia, disse que tinha muitas dores, ele disse que isso era normal (não sabia que sentir dores é normal), então pediu para eu levantar os braços para cima, para os lados e para trás e comentou que eu estava ótima, sendo que em várias posições reclamei que o braço estava doendo. Argumentei que sentia tantas dores no braço, que acordava à noite pra tomar remédio, e ele não falou nada. Tudo isso demorou mais ou menos 3 minutos, pediu para eu esperar em outra sala que estava cheia de pessoas também aguardando o resultado. Depois de mais alguns minutos, uma moça veio com todos os resultados, foi chamando pelo nome e dispensando. Alguns conseguiram o auxílio e outros como eu tiveram o pedido indeferido. Fico pensando, como que um médico Pediatra (ele já foi pediatra da minha filha há muitos anos atrás) afirma que eu estou apta para trabalhar diante de exames e do relatório do meu médico que é especialista."

(http://www.reclameaqui.com.br/24166/inss/reclamacao-de-perito-do-inss/)

Na folha 105 da tese de mestrado está dito que "A médica não realizou exame físico no paciente e a consulta durou 4 minutos". E sobre as 24 perícias por dia, com limite máximo de 20 minutos por ato médico, vejamos o que resta assinalado no documentário os “Donos do Poder?”:

"Os peritos oficiais trabalham em regime de dedicação exclusiva com carga horária semanal de 40 horas ou 24 perícias/dia, embora haja peritos oficiais, minoria, com jornada de 20 horas semanais ou 12 perícias/dia. O perito segue a produtividade exigida a cada dia e se absorver essa demanda num tempo inferior às oito horas/dia é liberado. Vale aqui lembrar que todos os peritos estudados possuem outro vínculo empregatício."

(Donos do Poder? página 83)
Na folha 116 foi evidenciada a conduta maliciosa de médico perito, de exigir a apresentação de exames de obtenção difícil pelo segurado perante o SUS:

“Você vai passando tanto tempo na perícia que consegue externar o lado do paciente e solicitar exames e ele nem aparece aqui mais.”



Na folha 117 percebe-se que o perito pode mudar de opinião quando confrontado por segurado mais culto, melhor informado, a revelar certo clientelismo por ocasião da realização das perícias médicas perante o INSS:
"No caso II, o perito decide suspender o benefício do segurado (critério de qualidade imposto pela instituição). Ao ser questionado pelo segurado, muda de decisão. Conforme a avaliação pericial:

Perito: “Eu vou ter que dar alta porque o senhor já está muito tempo afastado”.

Segurado: “O senhor vai me dar alta porque eu estou muito tempo afastado ou porque eu melhorei?”.

O perito pensa e explicita: “Você deve fazer cirurgia para resolver esse problema!”.

O perito II muda a decisão, depois de questionado pelo segurado: “O especialista decide o caso. Sugeri que fizesse exame complementar e vou ligar para o médico dele e verificar o por quê dos pacientes dele não virem com exame”.

Ao comentar a decisão, deixa transparecer a transgressão das normas e os conflitos que poderão ser gerados numa decisão judicial:

O paciente já está afastado a dois anos. Se ele recorrer à justiça, o INSS perde a causa. Está afastado há muito tempo, o que caracteriza uma incapacidade. Ou você decide o caso de imediato ou aposenta."
Percebe-se então que aqueles mais humildes acabam sendo prejudicados, seja porque não tem acesso à informação, seja porque não tem condições de contratar bons profissionais para a defesa de seus direitos.

Justamente aqueles que mais necessitam de atenção e cuidado, tamanha a vulnerabilidade social e hipossuficiência, são exatamente aqueles com maior chance de serem injustiçados em razão de perícia médica sem respeito a devido processo legal, ampla defesa e contraditório.

Médico perito do INSS denunciou que o sistema informatizado é o responsável pelo deferimento e pela continuidade do benefício. Vejamos as indagações do médico perito do INSS e extraídas do PARECER Nº 139.235/09, DE 19 DE JANEIRO DE 2010, DO CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DE SÃO PAULO:

"1) Pode o INSS, através de normas infra-legais desprovidas de fundamentação legal, determinar o quantitativo diário de perícias, o tempo mínimo e o tempo máximo de cada ato médico pericial e punir o médico que não conseguir atingir tais metas?

2) Pode o INSS impor, através de sistemas eletrônicos, restrições ao laudo médico pericial, seja no número de páginas ou caracteres, seja nos CIDs disponíveis ? Pode o INSS automaticamente definir por meio de sistema eletrônico que determinados CIDs "Não dão direito ao benefício"?

3) Pode o INSS emitir normas infra-legais envolvendo atos técnicos periciais sem a efetiva participação de médicos na elaboração de tais normas?

4) Pode o INSS exigir, por meio de norma infra-legal, que o médico exerça ato administrativo não previsto em lei ou norma do Conselho Regional de Medicina como na entrega de comunicações de resultados de requerimentos (que são documentos administrativos) diretamente na mão do segurado que acabou de periciar?

5) Incorre em inverdade o perito que afirma que o ato médico pericial é ato complexo que depende de múltiplas análises de anamnese, exame físico e documental e análise legal, e que a correta confecção do Laudo Médico Pericial - LMP demanda tempo, reflexão e estudo do caso?

6) Pode o INSS exigir, através de sistemas eletrônicos e normas administrativas, que a conclusão do LMP seja imediata ao exame físico e análise documental?

7) As APS que fazem atividade médica precisam estar cadastradas como pessoa jurídica junto ao CREMESP? Em caso afirmativo, possui o INSS tal cadastro e o responsável técnico médico de cada APS precisa estar informado no cadastro?

8) O INSS é obrigado ou não a fornecer algum meio físico ou eletrônico que nos permita anexar aos laudos médicos periciais cópias de exames clínicos e laudos médicos quando pertinente?

9) O médico perito é obrigado a trabalhar em consultórios que estão em não conformidade com os dispositivos sanitários previstos em lei? Ele pode ser punido administrativamente caso se recuse a exercer ato médico em ambiente Comprovadamente inadequado ao exercício da Medicina?

10) É legítimo e ético que o INSS vincule parte significativa do salário do perito a uma gratificação que tenha como critérios de análise fatores extra-periciais, tais como: tempo de espera do segurado na APS para ser atendido, fila de espera entre a marcação da perícia e a realização da mesma? É ético superior médico retirar pontos de gratificação de médico perito sem a devida fundamentação legal e comprovação objetiva dos atos praticados pelo perito que o fizeram incorrer em perda de pontos?"

Duas questões parecem mais graves.

A primeira sobre o sistema informatizado definir quem tem direito a benefício por incapacidade que depende de ato médico pericial devidamente fundamentado.

A segunda sobre a possibilidade de redução da remuneração do médico quando não respeitar as normas internas, ao que parece, especialmente aquelas que impõem prejuízo ao segurado. Vejamos o que está dito na dissertação referida, na fl. 113:

"Associado às normas técnicas do INSS, é fato também as normas internas, ‘os acordos’ estabelecidos na instituição, que se tornam normas antecedentes da atividade pericial para os procedimentos operacionais, produtivos e de qualidade exigidos pela instituição de seguridade (INSS).

São exigências implícitas, tais como o não estabelecimento de nexo, não concessão de benefícios, não informação dos direitos do segurado, a negativa da CAT (se não emitida pelo médico da empresa), estabelecidas internamente e que são necessárias para a avaliação da qualidade e do desempenho da atividade pericial.

O Sistema SABI é uma operacionalização das ‘normas de qualidade’. Por ele é determinado as patologias que geram afastamento, o tempo médio de concessão do benefício para cada patologia e os critérios de concessão de auxílio-doença. O sistema atua como encarceramento, um gesso da atividade pericial.

A estrutura de produção de perícias, com o parcelamento da atividade pericial, fragmenta a decisão. A cada perícia o segurado se torna dependente da forma pela a qual o perito se apropria das normas técnicas e das normas de qualidade para montar as suas estratégias de tomada de decisão. O principal objetivo das normas de qualidade é a negação do benefício."

Como bem revela o trabalho do Mestre Davidson Passos Mendes, na fl. 101 de sua dissertação, não interessa aos médicos peritos do INSS estabelecer o nexo de causa entre doença e trabalho:

"E continua verbalizando com o pesquisador: “Esses exames NEER, FILKEINSTEIN a gente sabe fazer. Não se faz porque o quadro dela é característico”.

Em entrevista de auto-confrontação (GUÉRIN et al, 1997), o perito é questionado a respeito do por quê o benefício concedido não ser o acidentário e sim o previdenciário. De acordo com o perito: “Para a empresa não interessa emitir a CAT. Para a gente pouco importa. Nesse último caso não foi emitida a CAT, porque não está assinada pelo médico da empresa, portanto, não é considerado acidente de trabalho”.

Ainda de acordo com o perito foi estabelecida a incapacidade, porém não se estabeleceu a relação com o trabalho. Somente será concedido o benefício acidentário com a CAT completa. E observa que a CAT somente é aceita se for feita pelo médico da empresa.

“Não aceitamos a CAT do sindicato. A empresa entra na justiça e o juiz pergunta se quem emitiu a CAT visitou a empresa. Como não visitamos, dançamos”."

Sobre redução da remuneração ao talante da chefia e conforme normas de [duvidosa] qualidade, vejamos os informes da reunião ocorrida na Gerência Regional do INSS-SP 05 de maio de 2006 com a presença de representantes do MPS e do INSS: Carlos Eduardo Gabas, Secretário Executivo do INSS, Valdir Moysés Simão - Presidente do INSS, Benedito A. Brunca - Diretor de Benefícios do INSS e Antonio Carlos Lima - Gerente Regional do INSS de São Paulo, revelando que àquela época havia critérios definidos pela Previdência Social para avaliação dos peritos, que implicam alterações salariais:

"3. Para que os problemas referentes às perícias médicas seja enfrentados de forma efetiva, é fundamental que haja 2 frentes de atuação:

a) institucional, com a criação e aprimoramento dos mecanismos de controle da qualidade da perícia por parte do INSS e MPS. Atualmente, há critérios definidos pela Previdência Social para avaliação dos peritos, que implicam alterações salariais.

b)social, com a participação e controle da sociedade. Os conselhos regionais da Previdência Social e o conselho nacional da Previdência Social foram apontados como espaços onde questões concretas devem ser discutidas e casos individuais devem ser utilizados como instrumentos de informação e capacitação dos servidores da Previdência Social. Essa orientação deve ser dada pelo INSS aos seus gerentes executivos.

4. Os servidores devem ser capacitados continuamente, assim como as suas condições de trabalho devem ser melhoradas.

5. É fundamental o aumento da transparência da instituição Previdência Social e INSS. Só como exemplo, as ordens internas não são acessíveis ao público e a COPES foi determinada por uma ordem interna (OI-130). Assim, um assunto que mobilizou e mobiliza trabalhadores do país todo está contido em uma ordem interna. Foi solicitado que todas as ordens internas e outros documentos sejam colocados no site do MPS. A informação é o primeiro passo para que a sociedade possa exercer o seu direito de participar e acompanhar os procedimentos de uma instituição.

Obs.: A gerência regional do INSS de SP deverá enviar por e-mail o roteiro da apresentação do Diretor de Benefícios do INSS Benedito A. Brunca.

Data prevista para a revogação da COPES e a implementação da nova ordem interna: 11 de maio de 2006.

(*) Maria Maeno é médica do trabalho, Coordenadora do CEREST/SP, Pesquisadora da Fundacentro-SP, tendo participado da plenária, como secretária e responsável pela divulgação dos assuntos tratados na reunião."

- http://www.fazer.com.br/layouts/jutra/default2.asp?cod_materia=2006)

Em 5 de maio de 2009 o Ministro da Previdência Social, José Pimentel, perante a Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais, disse não haver relação entre quantidade de perícias e remuneração, o que difere muito do que foi denunciado no Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo no final de 2009 e com parecer da entidade já em janeiro de 2010. Vejamos do site da do Poder Legislativo do Estado de Minas Gerais a o trecho da notícia (http://www.almg.gov.br/not/bancodenoticias/not_739777.asp):
"Apesar de elogiar os avanços da previdência, a presidente da comissão, deputada Rosângela Reis (PV), questionou o ministro sobre as perícias médicas realizadas pelo INSS. Ela trouxe o caso de Ipatinga (Vale do Aço), onde tramitam na Justiça Federal 10.678 ações de segurados contra o instituto, sem contar outras tantas na Justiça comum, relacionadas com acidentes de trabalho. A deputada apelou ao ministro que reveja a sistemática das perícias. "Há situações constrangedoras e injustas que, na maioria das vezes, acabam sendo reparadas pela Justiça".

Segundo a deputada, a definição da data da volta ao trabalho do servidor temporariamente incapacitado tem ocorrido sem que o perito analise o relatório médico. Além dessa falta de parâmetros clínicos, Rosângela Reis afirmou que, para questionar a decisão do perito, o trabalhador precisa "peregrinar atrás de relatórios, novos exames e marcação de perícia". Essa situação acaba sobrecarregando também o Poder Judiciário, última instância à qual o trabalhador recorre.

Em resposta, José Pimentel reconheceu que podem existir erros, mas informou à comissão que 80% das ações na Justiça têm confirmado os laudos dos peritos. Segundo ele, na década de 90, época em que esse serviço foi terceirizado, havia licenças de saúde que duravam até cinco anos. "O perito hoje emite o laudo de acordo com sua consciência. Ele não é mais um cabo eleitoral", contrapôs. De acordo com o ministro, os 5,2 mil peritos do INSS existentes no Brasil são servidores públicos, têm salário fixo e não recebem mais por perícia realizada, como era na época da terceirização das atividades. "

Em fóruns de discussão há milhares de relatos sobre ocorrências graves em perícias médicas. Vejamos o que se encontra no endereço eletrônico http://forum.jus.uol.com.br/67142/1/pericias-medicas-do-inss/, que desde 31 de janeiro de 2008 até 17 de agosto de 2010 registra 3355 comentários em um total de 68 páginas, dos quais choca a forma como são tratados os segurados e os documentos que levam para os peritos do INSS em relato de 2/8/2008:

"...uma Srª contando que levou o laudo médico, e a perita nem olhou, disse que enfiou o papel numa maquina... e vrummmmm, picotou o laudo da mulher..."

Representante de entidade profissional dos médicos peritos reconhece que o excesso de serviço prejudica a qualidade da perícia médica e em prejuízo ao hipossuficiente segurado. A notícia foi veiculada no Jornal Zero Hora de novembro de 2009:

"Perícia do INSS volta a sofrer reclamações

Leitores criticam atendimento de médicos, e as entidades reagem a queixa

O atendimento de médicos peritos do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) voltou a ser alvo de críticas de beneficiados pelo auxílio-doença. As reclamações acabaram se transformando em tema de duas colunas de Paulo Sant’ana, contestadas por representantes da categoria, abrindo um debate público desde 4 de novembro pelas páginas de Zero Hora.

As queixas se concentram na forma ríspida como os beneficiários estariam sendo tratados nos exames. Os usuários reclamam dos peritos médicos, que reclamam da direção da autarquia, que prefere não comentar o assunto. Um dos leitores que teve sua reclamação publicada na coluna de Sant’ana retrata o sofrimento por que passou: “Apenas os segurados sabem a maneira estúpida como foram tratados em suas perícias. Morreriam de fome os médicos que se comportassem dessa maneira em seus consultórios”, escreveu Alexandre Lemes em um e-mail.

O caso reacende a tensão existente entre a categoria, responsável pelos laudos de concessão do benefício aos segurados do INSS, e a população, que já resultou em assassinatos e agressões. Levantamento feito pela Associação Nacional dos Médicos Peritos da Previdência Social (ANMP) em 2007, com 1.186 profissionais, revelou que 4% já foram agredidos fisicamente, dois terços receberam ataques verbais no local de trabalho e quatro de cada 10 sofreram ameaças.

O PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO DOS MÉDICOS PERITOS, Francisco Carlos Luciani, ATRIBUI A SOBRECARGA DE TRABALHO À MÁ-QUALIDADE NOS ATENDIMENTOS e reivindica providências da direção do INSS para garantir melhorias no serviço. Por meio da sua assessoria de imprensa, a Superintendência do INSS na Região Sul disse que não iria se manifestar sobre a questão.

Sindicato promete entrar na Justiça para defender médicos

Segundo o Ministério da Previdência, em um prazo de seis meses deve ser aberto um edital para concurso público para abrir mais 250 vagas para peritos médicos no país. Tramita no Congresso um pedido do governo para a abertura de mais 500 vagas.

O assunto voltou à tona com a coluna “Cafajestes à solta!”, na qual Sant’Ana descreve uma série de inconvenientes relatados por cidadãos. Ao final do texto, ele cita outro desabafo do auxiliar de segurança Paulo Roberto Alexandre, 47 anos, que sofre de uma tendinite crônica há dois anos e afirma ser tratado como “um animal” durante as perícias do INSS.

A partir da divulgação, o Sindicato Médico do Rio Grande do Sul e a Associação dos Médicos Peritos do Seguro Social da Previdência Social no Estado contestaram as afirmações por meio de anúncios no jornal.

Não são todos, mas a grande maioria só falta chamar o segurado de ‘forjador de exames e atestados médicos’”, escreveu Sant’ana no texto do dia 4, referindo-se ao caso de Paulo Roberto Alexandre.

Em nota publicada no dia 10, o Simers afirma que a coluna divulga ofensas e ameaça entrar na Justiça. “Se houver um profissional culpado, que tenha sobre si todo o peso da lei. Se não houver, que ao caluniador suceda o mesmo”, afirma o presidente do Simers, Paulo de Argollo Mendes"

(Jornal Zero Hora, de 17 de novembro de 2009
N° 16158)

Quem é o responsável pelo “sistema” que impede acesso dos trabalhadores doentes e incapacitados ao legítimo direito a uma prestação alimentar substitutiva de sua remuneração. As falhas administrativas, em se sabendo quem é o Sr. Sistema, poderão ensejar a aplicação do art. 132 do Código Penal., valendo registrar importante lição na Exposição de Motivos do referido diploma:

"No art. 132, é igualmente prevista uma entidade criminal estranha a lei atual: "expor a vida ou saúde de outrem a perigo direto e iminente", não constituindo o fato crime mais grave. Trata-se de um crime de caráter eminentemente subsidiário. Não o informa o animus necandi ou o animus laedendi, mas apenas a consciência e vontade de expor a vítima a grave perigo. O perigo concreto, que constitui o seu elemento objetivo, e limitado a determinada pessoa, não se confundindo, portanto, o crime em questão com os de perigo comum ou contra a incolumidade pública. O exemplo freqüente e típico dessas espécies criminal e o caso do empreiteiro que, para poupar-se ao dispêndio com medidas técnicas de prudência, na execução da obra, expõe o operário ao risco de grave acidente. Vem dai que Zurcher, ao defender, na espécie, quando da elaboração do Código Penal suíço, um dispositivo incriminador, dizia que este seria um complemento da legislação trabalhista ("Wir háben geglaubt, dieser Artikel werde einen Eil der Arbeiterschutzgesetzgebung bilden"). Este pensamento muito contribuiu para que se formulasse o art. 132; mas este não visa somente proteger a indentidade do operário, quando em trabalho, senão também a de qualquer outra pessoa. Assim, o crime de que ora se trata não pode deixar de ser reconhecido na ação, por exemplo, de quem dispara uma arma de fogo contra alguém, não sendo atingido o alvo, nem constituindo o fato tentativa de homicídio. "


E como nada está tão ruim que não possa ficar pior..., os médicos peritos do INSS estão em greve. Notícia de 2 de agosto de 2010 comprova que em Curitiba-PR, as perícias estão sendo remarcadas para novembro de 2010, gerando revolta... Segurado em desespero fala em prantos:

"... Desespero! Dá vontade de morrer! Não atendem a gente. Não consigo mais trabalhar, não tem jeito... "

("http://portal.rpc.com.br/tv/player/player.swf?emissora=paranaense&file=93858&autostart=0&tempoTotal=&seq=&rand=15&videoano=2010&videomes=08&videodia=02&videonome=paranatv2edicao", "480", "369").

Há bons peritos. Mas a reclamação é generalizada, como se vê dos relatos na rede mundial de computadores (http://cidadaoreporter.atarde.com.br/?p=2943). Entre 25 de maio de 2010 e 30 de julho de 2010, 147 relatos foram registrados.

Normas de duvidosa qualidade (v.g.SABI) acabam cerceando a liberdade profissional do médico por tanto tempo, que o senso crítico acaba sendo prejudicado.

Ainda que ato médico, a perícia médica também deve respeitar o devido processo legal, os princípios da ampla defesa e do contraditório, pois que se exige em questão processual a fundamentação. O artigo 50 da Lei 9784/99 impõe um maior cuidado com a fundamentação, especialmente quando negar direitos, o que se traduz em respeito aos valores republicados.

O serviço público está sucateado. Para agravar, faltam servidores. Que as perícias médicas são falhas, isto não se pode negar. O Presidente do INSS, Valdir Simão, disse aos médicos reunidos no II Congresso Brasileiro de Perícia Médica Previdenciária para analisar criticamente a conduta pericial habitual. No site da Previdência Social foi publicada notícia em 29 de abril de 2009, donde se extrai:

"O presidente do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), Valdir Simão, disse que a perícia médica, a exemplo da Previdência Social, vive um novo momento. “Queremos uma perícia correta, com profissionais capacitados, preparados e seguros e que decidam e fundamentem corretamente suas decisões. Precisamos construir uma perícia que esteja incluída no projeto de reconhecimento de direito. Neste caso, nunca é automático, vai exigir esforço humano. Ou seja, queremos uma perícia médica forte que respeite o cidadão e faça também suas atribuições”..."


Se o Perito não permite à parte a produção de prova de forma a influir na conclusão final, carece ao ato legitimidade, notadamente sob o viés dos princípios republicados consagrados com a Constituição Cidadã de 1988.

O respeito ao contraditório, à ampla defesa, a fundamentação é essencial ao processo judicial ou administrativo em todos os seus desdobramentos, inclusive no decorrer do ato médico pericial.

Queremos uma perícia correta e, mais ainda, que a perícia médica não mais seja realizada de forma inquisitorial, respeitando-se os valores democráticos da Carta Magna.