segunda-feira, 26 de abril de 2010

Justiça não deve seguir lógica fordista

Justiça não deve seguir lógica fordista

QUANDO SE pergunta a respeito de uma determinada gestão, há que se evitar um inadequado personalismo.


Mais do que analisar a atuação de um presidente do Supremo Tribunal Federal, deve-se investigar as causas das dificuldades do Poder Judiciário e as perspectivas futuras. O que se pretende fazer aqui é uma breve incursão na perspectiva institucional.

Para que se proceda de forma mais adequada, parece-nos que o mais relevante é a análise da atuação no Conselho Nacional de Justiça -órgão que se revelou importante na formulação de política pública judiciária, dirigido pelo presidente do STF.

Nessa lógica, não há como se desconsiderar avanços. Assim, destaque-se a forma como a questão carcerária foi tratada, com forte empenho a ser atribuído ao presidente do Supremo, durante o último biênio.

Veja-se, por exemplo, o mutirão realizado para a análise de situações de presos em alguns Estados da Federação. Não há que se admitir que um preso fique nessa condição para além da pena que lhe foi cominada.

No entanto, nos parece que o maior problema do Judiciário se encontra essencialmente na análise da administração judicial. Nesse ponto em particular, elegeu-se uma opção que exige maiores reflexões, sob a ótica do Estado democrático de Direito.

Do Judiciário tem-se pedido a celeridade na prestação jurisdicional. É claro que se trata de um desejo comum a todos. No entanto, a pergunta a ser feita é a seguinte: a que custo?

Nesse sentido, parece-nos correto que isso seja obtido com gestão adequada dos processos, o que implica, em especial, a atuação das instâncias inferiores. O gerenciamento de uma vara, no entanto, é um dos temas mais complexos e difíceis.

Não é possível acreditar que a administração de varas passe por lógica semelhante à de empresas privadas.

A sensação que permeia alguns atos editados sobre o tema foi a de que o custo da justiça célere é a admissão de certa perda da qualidade da atuação jurisdicional.

No entanto, perceba-se que não nos encontramos numa linha de produção, em que os produtos, se malfeitos, podem ser desprezados ou contabilizados no custo final.

A vida das pessoas, envolvidas nos litígios, se mal decidida, não pode ser devolvida ou considerada como uma pane normal no sistema. Não se trata da importação da lógica fordista, em que se produzia, em linha de montagem, uma série de carros.

A resolução do caso de cada pessoa é muito mais delicada do que se pode imaginar, devendo-se acreditar que o juiz, ao administrar a sua vara, considere tal fato e, não raras vezes, precise de tempo para melhor julgar o feito.

A realidade é que muito do que se pensou para a arquitetura da gestão das varas, ao tratar os processos essencialmente como números, descuida do devido processo legal e do suporte logístico.

Lembro-me de um exemplo. Em curso de formação de servidores, um dos seus ministrantes, vindo do setor privado, analisando gráficos, verificou que certa vara movimentava mais rapidamente o processo do que outra.

Constatou-se que uma dava ciência às partes do laudo pericial, para manifestação, e a segunda suprimia o ato.

O palestrante entendeu que o mais eficiente seria o procedimento do juízo que não dava prazos.

Um servidor indagou: "E a disposição constitucional que possibilita a ampla defesa -que compreende a manifestação das partes sobre o laudo do perito?". O ministrante, tranquilo, replicou: "A Constituição? A Constituição é mero detalhe".

Esse é o risco que sofre, cada vez mais, o Judiciário, com atos editados nos últimos anos. Estamos diante de algo que está para além de uma gestão do Poder Judiciário, já que vem-se intensificando ano após ano.

Afinal, há que se pensar, com Rui Barbosa, que justiça tardia é injustiça qualificada. No entanto, deve-se atentar para o fato de que justiça concedida sem o esgotamento da plena potencialidade democrática existente em cada processo é mais do que atentado a uma única pessoa, o postulante, já que coloca em risco a própria democracia brasileira.
 
MARCUS ORIONE GONÇALVES CORREIA, 44, doutor e livre-docente pela USP, é professor associado do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social e da área de concentração em direitos humanos da pós-graduação da Faculdade de Direito da USP.

FOLHA DE SÃO PAULO, SÁBADO, 24 DE ABRIL DE 2010, página A3 - Tendencias e Debates

terça-feira, 6 de abril de 2010

INSS - Litigância de Má-Fé - Devido Processo Legal - Ausência de Justificação Administrativa

Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz Federal da 1ª Vara do Juizado Especial Federal Previdenciário de Curitiba- Seção Judiciária do Paraná
 


DEVIDO PROCESSO LEGAL – INDEFERIMENTO ILEGAL – LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ - HONORÁRIOS

ROSA JOMEK WENC, já qualificada nos autos 2009.70.50.026174-4, da AÇÃO PREVIDENCIÁRIA que move em face do INSS – Instituto Nacional do Seguro Social, por seu procurador ao final indicado, vem requerer a condenação do INSS em multa por litigância de má-fé e honorários de advogado, pelo que passa a expor:
 

DEVIDO PROCESSO LEGAL - LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ – HONORÁRIOS
 
No processo administrativo a autora apresentou provas de atividade rural em regime de economia familiar.

A cidadania e da dignidade da pessoa humana (art. 1º, incisos II e III, CF88) são custodiados pelo devido processo legal, contraditório e a ampla defesa, incisos LIV e LV do art. 5º da CF:
 
"LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;"

O INSS não promove treinamento de seus servidores, que desconhecem a Lei 8213/91, que no art. 108 assegura que a insuficiência de documentos pode ser suprida mediante oitiva de testemunhas em JUSTIFICAÇÃO ADMINISTRATIVA:

"Art. 108 – Mediante justificação processada perante a Previdência Social, observado o disposto no § 3º do art. 55 e na forma estabelecida no Regulamento, poderá ser suprida a falta de documento ou provado ato do interesse do beneficiário ou empresa, salvo no que se refere a registro público."

Se o INSS não estava saciado com os documentos que foram apresentados, cumpria facultar a oitiva de testemunhas e antes de indeferir o pleito, encaminhar a parte autora para receber as necessárias orientações perante o SERVIÇO SOCIAL, como consta no art. 88 da Lei 8213/91. Vale dizer que neste caso deveria o Serviço Social esclarecer o servidor sobre a importância da Justificação Administrativa e da Pesquisa Externa.
 
Na Lei 9.784/99 que trata do processo administrativo federal, encontra-se o artigo 29 a revelar a omissão da autarquia em seu dever de produzir prova:

"Art. 29 – As atividades de instrução destinadas a averiguar e comprovar os dados necessários à tomada de decisões realizam-se de ofício ou mediante impulsão do órgão responsável pelo processo, sem prejuízo do direito dos interessados de propor atuações probatórias.

§ 1º - O órgão competente para a instrução fará constar dos autos os dados necessários à decisão do processo.

§ 2º - Os atos de instrução que exijam a atuação dos interessados devem realizar-se do modo menos oneroso para estes."
Desta feita, é de cogitar, que antes do INSS promover Justificação Administrativa, cumpria promover PESQUISA EXTERNA, o que é menos oneroso ao cidadão. A IN 20/2007, no art. 560 conceitua a pesquisa externa:
Art. 560 – Entende-se por Pesquisa Externa – PE, as atividades externas exercidas pelo servidor do INSS, previamente designado para atuar nas empresas, nos órgãos públicos ou em relação a contribuintes em geral e beneficiários, que tem por objetivo:

II – a verificação de documentos apresentados por beneficiários ou por contribuintes;

III – a conferência e ao incremento dos dados constantes dos sistemas, dos programas e dos cadastros informatizados;

IV – a realização de visitas necessárias ao desempenho das atividades de serviço social, perícias médicas, de habilitação, de Reabilitação Profissional e ao acompanhamento da execução dos contratos com as unidades pagadoras pelo Serviço de Acompanhamento ao Atendimento Bancário – SAAB, ou para a adoção de medidas, realizadas por servidor das áreas de Benefício e Orçamento e Finanças previamente designado;...

O § 4º do artigo 459 da IN 20/2007 reafirma o conteúdo da Súmula 5 do Conselho de Recursos da Previdência Social nos seguintes termos:

§ 4º A Previdência Social deve conceder o melhor benefício a que o segurado fizer jus, cabendo ao servidor orientar nesse sentido.
 
O art. 88 da Lei 8213/91 foi violado, eis que o INSS não prestou o serviço social e não orientou a segurada sobre o direito de promover a Justificação Administrativa, indeferindo o pleito de aposentadoria por idade a trabalhadora rural.

O INSS não poderia deixar de informar em Carta de Exigência que a autora poderia suprir a falta de documentos mediante indicação de testemunhas, como se vê do § 3º do art. 460 da IN 20/2007:

§ 3º - O pedido de benefício não poderá ter indeferimento de plano, sem emissão de carta de exigência, mesmo que assim requeira o interessado, uma vez que cabe ao Instituto zelar pela correta instrução do feito, justificando o ato administrativo de indeferimento.

A conduta omissiva e ilegal do INSS de exigir prova plena e exauriente e de não promover oitiva de testemunha é manobra deletéria de transferência de responsabilidades do Poder Executivo para o Poder Judiciário, transformado em balcão do INSS por omissão dos servidores da autarquia.

O INSS negligencia o devido processo legal, sendo leniente o administrador que não cumpre o disposto no art. 83 da Lei 8212/91:

Art. 83 – O INSS deverá implantar um programa de qualificação e treinamento sistemático de pessoal, bem como promover a reciclagem e redistribuição de funcionários conforme as demandas dos órgãos regionais e locais, visando a melhoria da qualidade do atendimento e o controle e a eficiência dos sistemas de arrecadação e fiscalização de contribuições.

O servidor da autarquia, despreparado que está para conduzir um processo administrativo, é como um cão que foge de casa e morde uma pessoa caminhando na rua. Não há sentido em processar o cachorro, mas sim seu proprietário, neste caso, o ente autárquico que viola o art. 83 da Lei 8212/91. Neste sentido, vale transcrever trecho da decisão de antecipação de tutela proferida no bojo da Ação Civil Pública nº 5000039-15.2010.404.7221/RS, de lavra do Magistrado Federal Dr. Guilherme Pinho Machado em 17/02/2010:

"Criado para prestar serviços aos cidadãos, regulando as relações entre os membros da população ocupante de determinado território, o Estado foi passando por profundas transformações nos últimos séculos - assim como as relações humanas -, mas nem sempre acompanhou os anseios e necessidades dos cidadãos. Os tempos do absolutismo foram substituídos pelas Constituições e, com elas, houve um reconhecimento efetivo da existência de direitos humanos fundamentais. Mais tarde, foram eles reconhecidos internacionalmente por meio da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, da ONU....

A luta por trabalho, e pelo exercício digno da uma profissão, com o fim do trabalho infantil, da exploração da mulher, bem como o respeito a uma jornada digna fizeram recrudescer a luta de classes no início do século XX. Com ela, foi forçoso aos empregadores reconhecerem os direitos dos trabalhadores, abrindo espaço para outros direitos sociais, como a assistência previdenciária, a educação e a saúde.

Nesse sentido, a situação aqui apontada demonstra um absoluto retrocesso a tudo aquilo que se conquistou na seara da Previdência Social.

Não se quer aqui, de forma alguma, responsabilizar os servidores do Instituto, seus peritos, muito menos seus Procuradores. Todos, tais como os segurados são vítimas deste sistema perverso que se criou, uma vez que a espera a que os segurados estão sendo submetidos é fruto da absoluta falta de estrutura de várias agências do INSS, não só a de Canoas. Tal situação é de exclusiva responsabilidade do Governo Federal. Este, sujeita seus servidores a uma situação de absoluto acúmulo de serviço, sem se falar da insegurança, muitas vezes fruto do desespero a que o segurado é submetido, privado de seu sustento por meses.

No momento em que o assistencialismo governamental é tão propalado como forma de distribuição de renda - com a criação das mais diversas "bolsas"-, não se pode imaginar em deixar aqueles que efetivamente têm a oportunidade de trabalhar - e, mais do que isso, contribuem com parte do seu salário ao sistema, como fazem seus empregadores-, sejam submetidos ao desamparo pela falta de estrutura do órgão federal.

Isso sem falar nas conseqüências trazidas ao Judiciário que acaba se transformando, muitas vezes, numa extensão cartorial do INSS, incapaz, em que pese os esforços de seus servidores, em fazer uma análise mais criteriosa e rápida das situações a eles apresentadas. "

(Ação Civil Pública nº 5000039-15.2010.404.7221/RS - destaquei)

De 29 a 31 de setembro de 2007, no Rio de Janeiro ocorreu o XXIV Encontro Nacional dos Juízes Federais. O então vice-presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes citou a grande quantidade de causas que inunda os Juizados Especiais Federais (em 2006, foram apresentadas 1,1 milhão de ações). Isso impede que os Juizados dêem uma resposta em tempo adequado. Instalados com a expectativa inicial de solucionar cerca de 300 mil processos, a maioria com questões previdenciárias, os Juizados julgaram, em 2006, 1,2 milhão de ações. Mas, segundo o ministro, os números não são para comemorar já que mostram que algo está errado, frutos de “uma sociedade patológica e da falência do sistema”. Para o ministro, boa parte das demandas deveria ser resolvida pela própria administração pública. “Os Juizados Especiais Federais transformaram-se na maior repartição previdenciária do país”, constatou. Se o modelo não for revisto, o Juizado se tornará impraticável (http://www.conjur.com.br/2007-out-31/juizes_discutem_necessidade_tornar_justica_celere).

Já é tempo de dar um basta à perniciosa omissão do Poder Executivo. É o que se pretende ao pleitear indenização por danos morais, multa e indenização por litigância de má-fé e, ainda que em sede de Juizados Especiais, a condenação em honorários advocatícios em 1º grau, como já decidido:

PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. COMPROVAÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. DOCUMENTOS ACEITOS PELA AUTARQUIA. JUSTIFICAÇÃO JUDICIAL. CONTESTAÇÃO GENÉRICA. NÃO ANÁLISE DE PROVAS. LITITIGÂNICA DE MÁ-FÉ. CONDUTA TEMERÁRIA. JUSTIFICAÇÃO ADMINISTRATIVA. OBRIGATORIEDADE. NÃO REALIZAÇÃO PELO SETOR ADMINISTRATIVO. LITIGIOSIDADE DESNECESSÁRIA. REPRESENTAÇÃO. CORREGEDORIA DO INSS. TCU. DANO AO ERÁRIO. MPF. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PREVARICAÇÃO.

(Ação de Conhecimento Condenatória nº 2007.50.50.011141-0, 2ª Vara Previdenciária do Juizado Especial Federal de Vitória – Espírito Santo – Revista da SJRJ, Rio de Janeiro, nº 24, páginas 151-159, 2009 - http://www.jfrj.jus.br/rev_sjrj/num24/Senten%C3%A7as%20e%20Decis%C3%B5es/sentenca4.pdf)

O pagamento da prestação alimentar devida não pode ultrapassar o limite de 45 dias, o que viola o § 6º do art. 41 da Lei 8213/91:

"DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO PELO INSS. DEMORA NA PRESTAÇÃO ADMINISTRATIVA. DIREITO À RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO.

1. O direito à prestação jurisdicional e administrativa e ao devido processo legal representa também direito ao desenvolvimento do processo em tempo razoável, na medida em que não se pode ficar aguardando eternamente por uma decisão.

2. Lei n. 8.213/91, art. 41 §6º. O direito de receber o primeiro pagamento da renda mensal do benefício em 45 dias significa que a resposta ao pleito deve ser dada dentro deste prazo legal.

3. O atraso na prestação administrativa significa ato ilícito, ensejando a responsabilidade civil do INS.

4. Danos morais, fixados para compensar a dor decorrente da demora do processo, devem ser estipulados levando em consideração o direito material pleiteado, a dimensão do atraso e a situação pessoa e econômica das partes."

(Turma Recursal do Rio de Janeiro – Recurso de Sentença 2002.5154000686-0/1, Relator Juiz Federal Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, 29/01/2003 – Revista SJRJ, Rio de Janeiro, nº 11, PT.2, p. 469/473).
 
A conduta displicente da autarquia de não promover Justificação Administrativa exige condenação em litigância de má-fé porque empurrar os segurados para os braços do Poder Judiciário se traduz em ATENTADO À DIGNIDADE DA JUSTIÇA:
"LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ – Indenização decretada pelo Tribunal – Ausência de provocação direta da parte prejudicada – Admissibilidade – Repressão aos atos atentatórios à dignidade da Justiça – Recurso não conhecido – Inteligência e aplicação dos arts. 16, 17 e 18 do CPC."

(STJ – 4ª Turma – RESP 17.608-0/SP - 23.6.92 – RT 690)



A negligência da Autarquia, desrespeitando os princípios processuais em sede de processo administrativo apenas faz atrasar o reconhecimento de um direito que já se encontra incorporado ao patrimônio jurídico da parte autora.
Da obra LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ E CONDUTA PROCESSUAL INCONVENIENTE, LTr, 2007, Reginald Felker, na folha 121 alerta:
"Também parece insustentável a posição de Juízes e Tribunais que reconhecem expressamente a conduta antiética da Administração Pública, mas não utilizam o instrumental jurídico que tem a seu dispor para coibir esses abusos, tornando-se, em última análise, coniventes com a litigância de má-fé..."
O Poder Público, em nossa realidade, tem sido um dos grandes responsáveis pela pletora de demandas judiciais e até aqui tem-se revelado como o grande violador dos direitos da cidadania (TNU - RECURSO 2003.61.85.000008-9 – Relator Juiz Federal Augusto Martinez Perez – 7/10/2003).

Litigância de má-fé não é hipótese restrita a interposição de recurso protelatório. A má conduta em processo administrativo acaba por abarrotar o Poder Judiciário de processos, que assoberbado, não consegue dar cumprimento ao princípio da razoabilidade, com entrega da prestação jurisdicional com eficiência e rapidez, que deveria ser a tônica perante os Juizados Especiais.

Nos autos 2007.50.50.011141-0, da 2ª Vara do Juizado Especial Federal de Vitória – Espírito Santo, extrai-se:
 
"...

A forma como o pedido administrativo foi indeferido e a forma como a contestação foi manejada não esclareceram ao cidadão o motivo pelo qual seus documentos não puderam ser aceitos. Tal postura, a meu ver, ofende o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. O INSS deveria ter maior zelo com os cidadãos brasileiros e, pelo menos, esclarecer-lhes o porquê de não comprovarem algo. A fundamentação é direito subjetivo, característico do Estado Democrático de Direito. Não tenho receio de afirmar, portanto, que sem fundamentação no indeferimento administrativo e na contestação judicial, o INSS agiu de forma arbitrária.

Assim sendo, estou plenamente convencido da ocorrência de litigância de má-fé, por parte do INSS, a teor do art. 17, V do CPC, ou seja, o INSS adotou conduta temerária nesse caso: não fundamentou seus entendimentos (administrativo e judicial), de modo que não foi possível analisar o porquê da Autarquia considerar que o farto conjunto probatório não comprovaria a ocorrência de união estável. Deixo claro que a constatação de conduta temerária não visa penalizar o não acolhimento das provas. A temeridade ocorre com a ausência de fundamentação (no indeferimento administrativo e na contestação judicial), inviabilizando a análise do motivo pelo qual o INSS entendeu que as provas apresentadas não seriam válidas para comprovar a união estável.

...

Da Justificação Administrativa

Após verificar o uso da contestação genérica, questionei-me sobre o porquê da defesa judicial do INSS ter trilhado tal linha de ação. Procuro explicar minhas conclusões. Pela experiência que adquiri analisando os processos administrativos do INSS neste Estado, não tenho receio ao afirmar que o setor administrativo da Autarquia está indeferindo os pedidos de concessão de benefício previdenciário de modo indiscriminado, sem o zelo devido e descumprindo normas legais. Senão vejamos.

Atualmente, entende-se que o processo administrativo prévio é essencial antes de se propor demanda judicial em termos previdenciários. O próprio INSS em várias ocasiões tem apresentado tal questão como preliminar. Ocorre que tal processo administrativo deve estar instruído de forma adequada, com todos os meios de prova previstos em lei, em especial, com a justificação administrativa. Essa é a previsão do art. 108 da Lei 8.213/91: não havendo no processo administrativo os três documentos previstos no art. 22, § 3º do Decreto nº 3.048/99, deve o INSS efetivar procedimento de justificação administrativo. O verbo “poderá” do dispositivo legal em tela deve ser interpretado como “deverá” em função do art. 29 da Lei nº 9.784/99: não há, no processo administrativo, o princípio da inércia, típico do processo judicial. Como a grande maioria dos segurados do INSS desconhece os pormenores da legislação previdenciária, sempre que a Autarquia identificar a existência de começo de prova material, deve instruir, de ofício, o processo administrativo com a mencionada justificação administrativa. A realização da mesma, portanto, tem natureza de ato vinculado, não podendo ser afastada de forma discricionária.

Entretanto, tenho observado que, na quase totalidade dos casos que me foram submetidos, o INSS analisou apenas os documentos, não processando de ofício a justificação administrativa para suprir a ausência de algum deles, como previsto no art. 108 da Lei nº 8.213/91. Tal procedimento tem gerado um ciclo desnecessário de demandas judiciais. Eis a realidade que tenho constatado no atuar do INSS no Estado do Espírito Santo:

1) Sem a realização de justificação administrativa, requerimentos que, nos termos da lei, deveriam ser previamente instruídos no setor administrativo da Autarquia, estão sendo indeferidos sem instrução processual e sem fundamentação.

2) Tais indeferimentos, sem o processamento de justificação estão gerando o fluxo elevado de processos ao Poder Judiciário.

3) A citação efetivada em tais processos está gerando acúmulo indevido de trabalho junto aos Procuradores Federais que defendem a Autarquia e que, infelizmente, são obrigados a utilizar as contestações genéricas, sob pena de perderem o prazo contestatório.

4) Em face do grande número de processos, muitas sentenças são demoradas, o que gera aumento no pagamento de juros de mora.

5) Além do pagamento de juros de mora, a ausência de fundamentação gera condenações de honorários e litigância de má-fé, condenações acessórias que tem natureza jurídica de dano ao erário.

6) O dano ao erário aumenta ao observarmos que os Juízes Federais e os Procuradores da Autarquia, cujo custo operacional da hora de trabalho é elevado, que poderiam direcionar sua força de trabalho para sustar casos de fraude previdenciária, são obrigados a analisar casos corriqueiros de convivência marital, porque o setor administrativo do INSS está descumprindo a lei.

7) A conduta em tela é contemporânea, já que o presente processo foi protocolizado em outubro de 2007.

Apresentado esse cenário, no qual o descumprimento sistemático do art. 108 da Lei nº 8.213/91 tem transferido para o Poder Judiciário atividade administrativa que é típica do INSS (a oitiva de testemunhas para suprir falta documental de matéria meramente factual), estou plenamente convencido da possibilidade de que exista alguma orientação interna da Autarquia determinando que seus funcionários ajam dessa forma. Não tenho receio de afirmar, portanto, que, tendo em vista o maciço descumprimento da norma legal em tela, ou já uma determinação ilegal interna do INSS ou há forte incompetência funcional.

Seja como for, parafraseando o Ministro Gilmar Mendes por ocasião de seu pronunciamento no encontro da AJUFE do ano de 2007, não tenho receio ao afirmar que, a se manter esta realidade, os Juizados Federais se transformarão na maior repartição previdenciária do País."

De direito e de justiça que se reconheça o dever do INSS de conceder a pensão por morte para a autora e a indenizar os danos morais, condenando ainda a Autarquia em multa por litigância de ma-fé de 1% do valor da causa, forte no artigo 18 do CPC:

"Art. 18. O juiz ou tribunal, de ofício ou a requerimento, condenará o litigante de má-fé a pagar multa não excedente de 1% (um por cento) sobre o valor da causa e a indenizar a parte contrária dos prejuízos que esta sofreu, mais os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou."

A Lei 9099/99 admite a condenação em honorários já em primeira instância quando houver condenação em litigância de má-fé, como dispõe o art. 55:
 
"Art. 55 - A sentença de primeiro grau não condenará o vencido em custas e honorários de advogado, ressalvados os casos de litigância de má-fé. Em segundo grau, o recorrente, vencido, pagará as custas e honorários de advogado, que serão fixados entre dez por cento e vinte por cento do valor de condenação ou, não havendo condenação, do valor corrigido da causa."
 
Em resumo, ante o reconhecimento tardio do direito a aposentadoria rural por idade em juízo, por ilegal o indeferimento administrativo, deve a autarquia ser condenada também em multa por litigância de má-fé e honorários de advogado já em primeira instância.

TUTELA ANTECIPADA E ASTREINTES
 
No sítio virtual do TRF da 4ª Região foi notícia a solenidade ocorrida em 23/6/2009, ocasião em que o Desembargador Federal Paulo Afonso Brum Vaz assumiu a Coordenadoria dos Juizados Especiais da 4ª Região:

“...Nos juizados, Brum Vaz ressaltou a necessidade “impostergável” de investimentos e de dar atenção especial aos problemas de saúde que vêm atingindo os servidores que atuam no âmbito dos JEFs, em função do volume imenso de trabalho. Também é preciso buscar a humanização das decisões: “os juizados deveriam adotar uma jurisprudência franciscana – dar muito mais do que negar...”

(http://www.trf4.jus.br/trf4/noticias/noticia_detalhes.php?id=6158).

A autora é idosa, nasceu em 27/4/1946 e completará 64 anos em 27/04/2010.

A má conduta do INSS acaba por macular sua dignidade, sua cidadania, fazendo-se presente o periculum in mora ante o caráter nitidamente alimentar da verba.

O conjunto probatório é robusto e evidencia a verossimilhança da alegação, de que a autora é trabalhadora rural, sendo que somente em juízo foi colhido o depoimento de testemunhas.

A autora disse em audiência que o INSS não solicitou que levasse as testemunhas para que fossem ouvidas.

Outrossim, considerando que o INSS rotineiramente vem procrastinando o cumprimento de ordem judicial, requer o arbitramento de multa diária, de forma a tornar irresistível o cumprimento em tempo da obrigação de fazer, forte no art. 461 do CPC.

 
REQUERIMENTOS
Requer a juntada de sentença, autos 2007.50.50.011141-0, da 2ª Vara do Juizado Especial Federal de Vitória – ES.

Requer seja a presente ação julgada procedente, reconhecendo o direito da autora ao benefício de aposentadoria rural por idade.

Requer seja reputado o INSS litigante de má-fé, condenado a multa de 1% do valor da causa e ainda condenado a pagar honorários de advogado.

Pede deferimento.

Curitiba, 6 de abril de 2010.
ROSE KAMPA – OAB/PR 22919

CESAR AUGUSTO KATO – OAB/PR 22910