sexta-feira, 22 de março de 2013

Apenas um acidente de trabalho


Apenas um acidente de trabalho...

A banalização do mal se traduz nos canteiros de obras no Brasil em índices assustadores de acidentes de trabalho, o que faz pensar que tamanha negligência possa merecer a atenção do direito penal.

Vejamos a locução acidente no Dicionário Jurídico De Plácido e Silva, para perceber que acidente é acontecimento imprevisto ou fortuito, do qual resulta um dano causado à coisa ou à pessoa.

Ou seja, quando um “acidente” de trabalho ocorre por desrespeito a normas de higiene e segurança que visam resguardar a integridade do trabalhador, é o caso de crime de perigo, de que trata o art. 132 do Código Penal[1].

É certo ainda que aquele que causa prejuízo deve reparar o dano, como se percebe do disposto no art. 927 do Código Civil[2].

Quando age com dolo ou culpa, o seguro contra acidente de trabalho não exclui a responsabilidade do empregador pelo pagamento de indenização, o que está muito claro na Constituição Federal, art. 7º, inciso XXVIII[3].

De acordo com o disposto no art. 120 e 121 da Lei 8213/91[4], percebe-se que é dever do Estado a propositura de ação regressiva nos casos de desrespeito às normas de segurança e higiene do trabalho.

Interessante destacar que o poder judiciário tem entendido que o recebimento pelo trabalhador de prestação previdenciária, a propositura de ação regressiva pelo INSS para cobrar os prejuízos com pagamento de auxílio doença, ou aposentadoria por invalidez, ou pensão por morte não impede a condenação em pagamento de pensão mensal vitalícia quando se constatar redução da capacidade laborativa[5].

Desde o advento da Lei 9.032/95, a Previdência Social passou a exigir do empregador o pagamento de contribuição específica para financiamento da aposentadoria especial de seus empregados submetidos a trabalhos em condições de insalubridade, periculosidade e penosidade. Desde então, o que se tem visto é que empresas passaram a omitir informações ao INSS, ou muitas vezes informando falsamente que o trabalhador não estava submetido a labor em condições especiais para evitar o pagamento de tributo.  Este tipo de conduta já ensejou condenação de empresa em Ação Civil Pública, autos 899-88.2010.5.15.071, Vara do Trabalho de Mogi Guaçu a pagamento de multa diária de R$ 1.000,00 por trabalhador prejudicado.

É relevante também a mudança de metodologia no cálculo da contribuição previdenciária, eis que desde o advento da Lei 10.666/2003, estipulou-se a as alíquotas de SAT (seguro de acidente de trabalho) seriam de 1%, 2% e 3%, conforme o grau de risco da atividade da empresa. A empresa que reduzir o número de acidentes e de doenças ocupacionais poderá reduzir o valor do SAT mediante aplicação do FAP (Fator Acidentário de Prevenção) para metade (0,5%, 1% e 1,5%). Mas por outro lado, na empresa que se constatar alto número de acidentes e de doenças ocupacionais poderão dobrar o valor do SAT (2%, 4% e 6%). Considerando que as alíquotas incidem sobre a folha de pagamento, o descuido com o meio ambiente de trabalho pode representar um enorme custo para a empresa.

Se até recentemente a preocupação do direito do trabalho restringia-se apenas em saber se a remuneração estava sendo paga corretamente, hoje este paradigma está superado. Afinal o pagamento em dinheiro não autoriza o empregador a submeter seus empregados ao adoecimento e morte. Tanto é assim que o Ministério Público do Trabalho tem promovido com êxito ações cobrando indenização por dano moral coletivo.

Pelo que se expos, apenas um acidente de trabalho pode representar um prejuízo de mais de um milhão de reais e isto se demonstra facilmente:

1)     O poder Judiciário tem entendimento de que a indenização mensal vitalícia deve ir até 70 anos de idade. Mas ao verificar a tabela de expectativa de vida do IBGE[6] não é difícil que se arbitre em 80 anos ou mais.

2)     O pagamento de benefício previdenciário pelo INSS tem como “teto” o valor atual e mensal de R$ 4.1569,00 por mês.

3)     Para o arbitramento da pensão mensal vitalícia o Juiz deve considerar, além da remuneração real devida, os gastos extraordinários com tratamento de saúde.

Numa hipótese que uma trabalhadora tenha 35 anos de idade, com remuneração média mensal de R$ 5.000,00 por mês, e que sofra um acidente de trabalho grave, com aposentadoria por invalidez, podemos estimar o passivo:

a)    Ação regressiva do INSS: R$4.159,00 * 13meses * (79-35anos) = R$ 2.378.948,00;

b)    Pensão mensal vitalícia: R$5.000,00 * 12 * (79-35anos) = R$ 2.640.000,00

c)    Total parcial = R$ 5.018.948,00

Se imaginarmos um trabalhador jovem, com idade de 20 anos e salário de R$ 1.000,00 por mês, o prejuízo também é considerável:

a)    Ação regressiva do INSS: R$1.000,00 * 13 * (72-20anos) = R$ 676.000,00;

b)    Pensão mensal vitalícia: R$ 1.000,00 * 12 * (72-20anos) = 624000;

c)    Total parcial = R$ 1.318.000,00

Nestas projeções não se considerou:

a)     o gasto com tratamento de saúde;

b)    pagamento de dano moral individual ou coletivo;

c)    o potencial aumento do FAP e a oneração dos encargos incidentes sobre folha de pagamento;

d)    o eventual reconhecimento de atividade especial com pagamento de contribuição específica para fins de aposentadoria especial;

e)    os gastos com advogado para defesa em eventual ação criminal, em ação trabalhista, em ação previdenciária regressiva...;

f)       os gastos com assistente técnico para eventual discussão sobre assuntos técnicos de medicina do trabalho e/ou engenharia do trabalho.

Vale também considerar que quanto mais reclamatórias trabalhistas sofre a empresa, mais elementos possui o Ministério Público do Trabalho para fundamentar questões como dumping social e conseguir condenações por Dano Moral Coletivo. São indenizações de um milhão a dezenas de milhões de reais por questões tidas por corriqueiras na Justiça do Trabalho, como excesso de jornada, trabalho em prejuízo aos intervalos mínimos intra jornada e inter jornadas...

O trabalho de uma consultoria preventiva em meio ambiente de trabalho diminui a incidência de afastamentos do trabalho, diminui a gravidade e a frequência dos acidentes de trabalho e cada centavo investido em  prevenção evita que no futuro muitos reais sejam gastos com indenizações trabalhistas e previdenciárias. Afinal, como visto, apenas um acidente de trabalho representa certamente um prejuízo de um milhão de reais.



[1] Art. 132. Expor a vida ou a saúde de outrem a  perigo direito e iminente:
Pena – detenção, de três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave.
Parágrafo único. A pena é aumentada de um sexto a um terço se a exposição da vida ou da saúde de outrem a perigo decorre do transporte de pessoas para a prestação de serviços em estabelecimentos de qualquer natureza, em desacordo com as normas legais.
[2] Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único.; Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
[3] XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.
[4] Art. 120. Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e co0letiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis.
Art. 121. O pagamento, pela Previdência Social, das prestações por acidente de trabalho não exclui a responsabilidade civil da empresa ou de outrem,.
[5] RR 364000620065180251 36400-06.2006.5.18.0251 RECURSO DE REVISTA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS (PENSÃO VITALÍCIA). DOENÇA PROFISSIONAL. CUMULATIVIDADE COM RECEBIMENTO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO (APOSENTADORIA POR INVALIDEZ). O artigo 950 do CCB, contempla a hipótese de pensão vitalícia por lesão que incapacite total ou parcialmente o lesado para o trabalho, admitindo, em seu parágrafo único, a opção do lesado por receber uma indenização única, a ser arbitrada pelo juiz. Já o artigo 12 da Lei 8.213/91, distingue, em matéria de acidente de trabalho, o benefício previdenciário da indenização por danos materiais decorrente da responsabilidade civil. No mesmo sentido segue o artigo , XXVIII, da CF, que distingue entre o seguro contra acidente de trabalho e a indenização por dano material ou moral decorrente de dolo ou culpa do empregador. Conclui-se, assim, que em princípio, não há excludente da pensão vitalícia pela percepção de benefício previdenciário, já que a indenização por danos materiais não será objeto de composição do salário de participação sobre os quais incidem as contribuições previdenciárias, pois não se confundem o direito previdenciário, mesmo que decorrente de plano privado, com dever de reparar, assentado na culpabilidade patronal. São institutos distintos e incomunicáveis. No caso concreto, extrai-se dos fundamentos da decisão recorrida que a reclamante sofreu lucros cessantes a justificar pensão mensal vitalícia, exatamente como previsto no artigo 950 do Código Civil, que destina-se a reparar a parte lesada dos valores que deixaram de ser percebidos em virtude do evento danoso, embora não negue o Tribunal Regional que o valor da sua aposentadoria por invalidez, considerando a complementação recebida pela FUNCEF, não se mostrou inferior à renda auferida quando era empregada da reclamada. Ressalte-se, que se a Autarquia concedeu à reclamante a aposentadoria por invalidez, isso certamente demonstra que a periciada não possuía mais capacidade laborativa, e, por questão lógica, a reparação à reclamante nesse aspecto, deve ser completa, ou, no mínimo, a mais plena possível. Nesse contexto, não havendo dúvidas de que a Reclamada foi a única responsável pela moléstia que ocasionou a incapacidade parcial e permanente da Reclamante, uma vez que agiu de forma negligente diante das normas legais de Segurança e Medicina do Trabalho, o ressarcimento pelos danos decorrentes da doença funcional advém da responsabilidade infortunística e da responsabilidade civil da Reclamada, admitindo-se, assim, a cumulação da prestação previdenciária e da reparação civil. Recurso de revista não conhecido.