Apenas um acidente
de trabalho...
A banalização do
mal se traduz nos canteiros de obras no Brasil em índices assustadores de
acidentes de trabalho, o que faz pensar que tamanha negligência possa merecer a
atenção do direito penal.
Vejamos a locução
acidente no Dicionário Jurídico De Plácido e Silva, para perceber que acidente
é acontecimento imprevisto ou fortuito,
do qual resulta um dano causado à coisa ou à pessoa.
Ou seja, quando um
“acidente” de trabalho ocorre por desrespeito a normas de higiene e segurança
que visam resguardar a integridade do trabalhador, é o caso de crime de perigo,
de que trata o art. 132 do Código Penal[1].
É certo ainda que
aquele que causa prejuízo deve reparar o dano, como se percebe do disposto no
art. 927 do Código Civil[2].
Quando age com dolo ou culpa, o seguro contra acidente de
trabalho não exclui a responsabilidade do empregador pelo pagamento de
indenização, o que está muito claro na Constituição Federal, art. 7º, inciso
XXVIII[3].
De acordo com o disposto no art. 120 e 121 da Lei 8213/91[4],
percebe-se que é dever do Estado a propositura de ação regressiva nos casos de
desrespeito às normas de segurança e higiene do trabalho.
Interessante destacar que o poder judiciário tem entendido
que o recebimento pelo trabalhador de prestação previdenciária, a propositura
de ação regressiva pelo INSS para cobrar os prejuízos com pagamento de auxílio
doença, ou aposentadoria por invalidez, ou pensão por morte não impede a
condenação em pagamento de pensão mensal vitalícia quando se constatar redução
da capacidade laborativa[5].
Desde o advento da Lei 9.032/95, a
Previdência Social passou a exigir do empregador o pagamento de contribuição
específica para financiamento da aposentadoria especial de seus empregados
submetidos a trabalhos em condições de insalubridade, periculosidade e
penosidade. Desde então, o que se tem visto é que empresas passaram a omitir
informações ao INSS, ou muitas vezes informando falsamente que o trabalhador
não estava submetido a labor em condições especiais para evitar o pagamento de
tributo. Este tipo de conduta já ensejou
condenação de empresa em Ação Civil Pública, autos 899-88.2010.5.15.071, Vara
do Trabalho de Mogi Guaçu a pagamento de multa diária de R$ 1.000,00 por
trabalhador prejudicado.
É relevante também
a mudança de metodologia no cálculo da contribuição previdenciária, eis que
desde o advento da Lei 10.666/2003, estipulou-se a as alíquotas de SAT (seguro
de acidente de trabalho) seriam de 1%, 2% e 3%, conforme o grau de risco da
atividade da empresa. A empresa
que reduzir o número de acidentes e de doenças ocupacionais poderá reduzir o
valor do SAT mediante aplicação do FAP (Fator Acidentário de Prevenção) para
metade (0,5%, 1% e 1,5%). Mas por outro lado, na empresa que se constatar alto
número de acidentes e de doenças ocupacionais poderão dobrar o valor do SAT
(2%, 4% e 6%). Considerando que as alíquotas incidem sobre a folha de
pagamento, o descuido com o meio ambiente de trabalho pode representar um
enorme custo para a empresa.
Se até recentemente a preocupação do direito do trabalho restringia-se
apenas em saber se a remuneração estava sendo paga corretamente, hoje este
paradigma está superado. Afinal o pagamento em dinheiro não autoriza o
empregador a submeter seus empregados ao adoecimento e morte. Tanto é assim que
o Ministério Público do Trabalho tem promovido com êxito ações cobrando
indenização por dano moral coletivo.
Pelo que se expos, apenas um acidente de trabalho pode representar um
prejuízo de mais de um milhão de reais e isto se demonstra facilmente:
1)
O poder
Judiciário tem entendimento de que a indenização mensal vitalícia deve ir até
70 anos de idade. Mas ao verificar a tabela de expectativa de vida do IBGE[6]
não é difícil que se arbitre em 80 anos ou mais.
2)
O pagamento
de benefício previdenciário pelo INSS tem como “teto” o valor atual e mensal de
R$ 4.1569,00 por mês.
3)
Para o
arbitramento da pensão mensal vitalícia o Juiz deve considerar, além da
remuneração real devida, os gastos extraordinários com tratamento de saúde.
Numa hipótese que uma trabalhadora tenha 35 anos de idade, com
remuneração média mensal de R$ 5.000,00 por mês, e que sofra um acidente de
trabalho grave, com aposentadoria por invalidez, podemos estimar o passivo:
a)
Ação
regressiva do INSS: R$4.159,00 * 13meses * (79-35anos) = R$ 2.378.948,00;
b)
Pensão
mensal vitalícia: R$5.000,00 * 12 * (79-35anos) = R$ 2.640.000,00
c)
Total
parcial = R$ 5.018.948,00
Se imaginarmos um trabalhador jovem, com idade de 20 anos e salário de
R$ 1.000,00 por mês, o prejuízo também é considerável:
a)
Ação
regressiva do INSS: R$1.000,00 * 13 * (72-20anos) = R$ 676.000,00;
b)
Pensão
mensal vitalícia: R$ 1.000,00 * 12 * (72-20anos) = 624000;
c)
Total
parcial = R$ 1.318.000,00
Nestas projeções não se considerou:
a)
o gasto com tratamento de saúde;
b)
pagamento de
dano moral individual ou coletivo;
c)
o potencial
aumento do FAP e a oneração dos encargos incidentes sobre folha de pagamento;
d)
o eventual
reconhecimento de atividade especial com pagamento de contribuição específica
para fins de aposentadoria especial;
e)
os gastos
com advogado para defesa em eventual ação criminal, em ação trabalhista, em
ação previdenciária regressiva...;
f)
os gastos
com assistente técnico para eventual discussão sobre assuntos técnicos de
medicina do trabalho e/ou engenharia do trabalho.
Vale também considerar que quanto mais reclamatórias trabalhistas sofre
a empresa, mais elementos possui o Ministério Público do Trabalho para
fundamentar questões como dumping social e conseguir condenações por Dano Moral
Coletivo. São indenizações de um milhão a dezenas de milhões de reais por
questões tidas por corriqueiras na Justiça do Trabalho, como excesso de
jornada, trabalho em prejuízo aos intervalos mínimos intra jornada e inter jornadas...
O trabalho de uma consultoria preventiva em meio ambiente de trabalho diminui
a incidência de afastamentos do trabalho, diminui a gravidade e a frequência
dos acidentes de trabalho e cada centavo investido em prevenção evita que no futuro muitos reais
sejam gastos com indenizações trabalhistas e previdenciárias. Afinal, como
visto, apenas um acidente de trabalho representa certamente um prejuízo de um
milhão de reais.
[1]
Art. 132. Expor a vida ou a saúde de outrem a
perigo direito e iminente:
Pena – detenção, de três meses a um ano, se o fato não
constitui crime mais grave.
Parágrafo único. A pena é aumentada de um sexto a um
terço se a exposição da vida ou da saúde de outrem a perigo decorre do
transporte de pessoas para a prestação de serviços em estabelecimentos de
qualquer natureza, em desacordo com as normas legais.
[2]
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem,
fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único.; Haverá obrigação de reparar o dano,
independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a
atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua
natureza, risco para os direitos de outrem.
[3]
XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem
excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou
culpa.
[4]
Art. 120. Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e
higiene do trabalho indicados para a proteção individual e co0letiva, a
Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis.
Art. 121. O pagamento, pela Previdência Social, das
prestações por acidente de trabalho não exclui a responsabilidade civil da
empresa ou de outrem,.
[5] RR 364000620065180251 36400-06.2006.5.18.0251 RECURSO DE REVISTA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS (PENSÃO VITALÍCIA).
DOENÇA PROFISSIONAL. CUMULATIVIDADE COM RECEBIMENTO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO
(APOSENTADORIA POR INVALIDEZ). O artigo 950 do CCB, contempla a hipótese de
pensão vitalícia por lesão que incapacite total ou parcialmente o lesado para o
trabalho, admitindo, em seu parágrafo único, a opção do lesado por receber uma
indenização única, a ser arbitrada pelo juiz. Já o artigo 12 da Lei 8.213/91, distingue, em matéria de
acidente de trabalho, o benefício previdenciário da indenização por danos
materiais decorrente da responsabilidade civil. No mesmo sentido segue o artigo
7º, XXVIII, da CF, que distingue entre o seguro contra acidente de
trabalho e a indenização por dano material ou moral decorrente de dolo ou culpa
do empregador. Conclui-se, assim, que em princípio, não há excludente da pensão
vitalícia pela percepção de benefício previdenciário, já que a indenização por
danos materiais não será objeto de composição do salário de participação sobre
os quais incidem as contribuições previdenciárias, pois não se confundem o
direito previdenciário, mesmo que decorrente de plano privado, com dever de
reparar, assentado na culpabilidade patronal. São institutos distintos e
incomunicáveis. No caso concreto, extrai-se dos fundamentos da decisão
recorrida que a reclamante sofreu lucros cessantes a justificar pensão mensal
vitalícia, exatamente como previsto no artigo 950 do Código Civil, que destina-se a reparar a parte lesada dos valores que deixaram de
ser percebidos em virtude do evento danoso, embora não negue o Tribunal
Regional que o valor da sua aposentadoria por invalidez, considerando a
complementação recebida pela FUNCEF, não se mostrou inferior à renda auferida
quando era empregada da reclamada. Ressalte-se, que se a Autarquia concedeu à
reclamante a aposentadoria por invalidez, isso certamente demonstra que a
periciada não possuía mais capacidade laborativa, e, por questão lógica, a
reparação à reclamante nesse aspecto, deve ser completa, ou, no mínimo, a mais
plena possível. Nesse contexto, não havendo dúvidas de que a Reclamada foi a
única responsável pela moléstia que ocasionou a incapacidade parcial e
permanente da Reclamante, uma vez que agiu de forma negligente diante das
normas legais de Segurança e Medicina do Trabalho, o ressarcimento pelos danos
decorrentes da doença funcional advém da responsabilidade infortunística e da
responsabilidade civil da Reclamada, admitindo-se, assim, a cumulação da
prestação previdenciária e da reparação civil. Recurso de revista não
conhecido.