sábado, 3 de outubro de 2009

INSS trata segurados de forma desumana e degradante. Carárer humanitário da concessão de benefícios previdenciários.


CARÁTER HUMANITÁRIO DA CONCESSÃO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS


O julgado em apreço fundamenta o seu arrazoado no caráter humanitário da concessão de benefícios previdenciários, valendo-se para tanto de uma sugestiva comparação entre o tratamento conferido pela lei aos segurados idosos e a tutela estatal dispensada aos animais consoante a Lei de Proteção aos animais (Decreto nº 24.645/34).

APELAÇÃO CÍVEL

Processo: 90.02.08648 2/RJ

Relator: Desembargador Federal CHALU BARBOSA

Publicação: DJ de 19/03/92, p. 6092


EMENTA

PREVIDENCIÁRIO CONCESSÃO DE BENEFÍCIO

I No caso presente, um ancião, agora com noventa anos, valeu se de possíveis fraudes para obtenção de aposentadoria. O benefício, no seu valor mínimo, deveria ser concedido, conforme estabelecido no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, por ter se tornado ela auto aplicável, em virtude de, até o momento, não ter sobrevindo a lei referida em tal dispositivo. Ademais, o benefício deveria, também, ser concedido, mediante a simples comprovação de se tratar de um ser humano. Invoca se, para tanto, assim como o fez o saudoso Jurista Sobral Pinto, o Decreto nº 24.645/34, Lei de Proteção aos Animais, quando, no seu artigo 11, afirma: "todos os animais existentes no País são tutelados do Estado". Já os brasileiros, somente gozarão de tal tutela se conseguirem, embora em idade provecta, doentes e desamparados, comprovar a prestação de serviços durante trinta anos. Pelo artigo 21, parágrafo 31, do mesmo diploma legal: "os animais serão assistidos em Juízo pelo representantes do Ministério Público". Já, o segurado humano destes autos só logrou manifestação contrária à sua causa. O artigo 31, inciso V, da mesma lei considera maus tratos: "abandonar animal doente, ferido, extenuado ou mutilado, bem como deixar de ministrar lhe tudo que humanitariamente se lhe possa prover, inclusive assistência veterinária". O autor, com quase um século de existência, aguardou em vão, durante anos, a concessão de auxílio doença que, finalmente, não veio.
II Recurso provido, em parte, para condenar o INSS a pagar ao autor o benefício de um salário mínimo mensal a partir do ajuizamento da ação. Sem honorários nem custas em face da gratuidade e da sucumbência recíproca.

POR UNANIMIDADE, DEU-SE PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO.

RELATÓRIO

O DESEMBARGADOR FEDERAL CHALU BARBOSA: MESSIAS CAMILO DE PAIVA GUEDES, qualificado nos autos, intenta AÇÃO SUMARÍSSIMA em face do INSTITUTO NACIONAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL, alegando que é segurado da Previdência Social, contribuindo como autônomo de julho/81 a junho/82, ocasião em que requereu aposentadoria, quando já contava 82 anos de idade. Que até a presente data não se cumpriu tal benefício, embora já tenha sido o mesmo deferido e calculado, requerendo ao final seja determinado o seu pagamento.

O MM. Juiz a quo assim decidiu (fls. 16/18):

Numa análise do Processo Administrativo em apenso, verificamos que o Autor requereu Auxílio-Doença junto ao Órgão Previdenciário, apresentando C.P. nº 38.819/8A – 2ª Via.

Como se vê de fls. 02, o referido benefício foi indeferido, pelo fato de não ter sido confirmado o vínculo empregatício do segurado junto às firmas constantes de sua Carteira Profissional, tudo constatado de xerox da documentação apresentada.

Note se, inclusive, que às fls. 5, encontra se xerox do Atestado de Afastamento e Salários (AAS), fornecida pela firma Tecidos Sineiros Ltda., constando que o Autor ali trabalhou durante o período de 03/11/77 a 30/06/82, afastado por acordo judicial.

E, conforme pedido inicial, o Autor contribuiu como motorista autônomo de julho/81 a junho/82, então, quando ainda trabalhava na firma acima referida.

Através de sindicâncias apurou o Órgão o seguinte:

a) não houve comprovação da real prestação de serviços nas firmas constantes da Carteira profissional do Autor;

b) que os contratos de trabalho apresentados pelo mesmo, de diversas firmas, são fictícios, pressupondo que foram feitos pela mesma pessoa, dada a semelhança das letras e números ali inseridos (fls. 17);

c) ser o Autor já bastante conhecido junto à Previdência Social, inclusive gerando até Circular, face a "Contratos Gratuitos" forjados para si e para terceiros (fls. 13);

d) como motorista autônomo, contribuiu ele a partir de julho de 1981, quando já contava 75 anos de idade.

E, não havendo, conforme realmente não houve comprovação da real prestação de serviço nas firmas constantes da Carteira Profissional do Autor, como se infere do Processo Administrativo, não há como acatar o seu pedido constante da inicial.

Isto, porque o Autor, conforme o seu pedido comprova, apenas, através de carnês de doze meses de contribuição, tendo como início o mês de julho de 1981, quando já contava ele setenta e poucos anos de idade (não se podendo esclarecer a idade exata, eis que não consta dos autos qualquer documento comprovando a data de nascimento do mesmo).

E, se a sua inscrição como motorista ocorreu após 60 anos de idade, será ela indevida.

Diante do exposto, atendendo a tudo quanto foi argumentado e demonstrado e tudo mais que dos autos consta JULGO IMPROCEDENTE o pedido requerido por MESSIAS CAMILO DE PAIVA GUEDES em face do INSTITUTO NACIONAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL, uma vez que as provas trazidas aos autos demonstram que ele não fez jus ao benefício pleiteado.

MESSIAS CAMILO DE PAIVA GUEDES apresentou suas razões com o MEMORIAL, na seguinte forma (fls. 22/23):

1 O interessado e segurado da Previdência Social formulou pedido administrativo de AUXÍLIO-DOENÇA em face de acometimento de moléstia, tendo recebido LAUDO favorável, mas a Coordenadoria indevidamente interveio e tergiversou o benefício, arrastando-se o feito nº INPS-0441.691/3 e 35.331.0038.1 por longos meses, não obstante a farta documentação, o que levou o autor em desespero, a bater às portas do Judiciário, requerendo o benefício maior de APOSENTADORIA.

2 Juntou mais os recolhimentos de AUTÔNOMO, já que a prova da DEPENDÊNCIA E SEGURIDADE empregatícia foi anteriormente comprovada administrativamente.

E como foi de período curto a autonomia, a autarquia alegou sibilantemente que o interessado não tinha tempo suficiente de contribuição e não obstante INSISTENTES pedidos tanto do autor quanto da requerida o processo administrativo só veio a Juízo com enorme prejuízo para a Ordem Pública e para a Justiça, porque a demora levou o ilustre Juiz a laborar em equívoco e considerar apenas o tempo de autônomo, o qual, porém, já bastava para o deferimento do pedido em face de ser superior a DOZE MESES.

Com a vinda do feito administrativo, só cambiado com a disposição do HABEAS DATA, se esclareceu o direito cristalino e meridiano do interessado.

O Instituto Nacional de Previdência Social INPS apresentou às fls. 27/28 suas contra razões nos seguintes termos:

A respeitável sentença de fls. 16/18 deverá ser mantida pelos seus próprios fundamentos, eis que prolatada com base nas provas dos autos e na legislação em vigor.

Elogiável a r. sentença do Juiz a quo, pois examinou os mínimos detalhes, concluindo que o autor caiu em contradição ao afirmar na inicial e juntar carnês de que contribuiu como autônomo desde julho de 1981 (doc. 6), enquanto que no processo administrativo, fls. 5 (apenso), consta que o mesmo trabalhava, naquele mesmo período, para a firma Tecidos Sineiros Ltda.

O documento de folhas 13 (Adm.) muito depõe contra o recorrente, e outros documentos de sindicâncias demonstraram a inexistência das firmas e períodos que o mesmo alegou ter trabalhado (firmas fantasmas).

Quanto à contribuição de 12 meses que alega o recorrente ter contribuído para a Previdência, esta contribuição é considerada, apenas, para efeito de pecúlio e não lhe dá o direito à aposentadoria (Art. 91, do Decreto nº 83.080, de 24/1/79) Regulamento dos Benefícios da Previdência Social.

Assim, por falta absoluta de provas nos autos do que alega em seu pedido, espera a autarquia ora recorrida que seja negado provimento ao recurso de apelação, confirmando, essa Egrégia Câmara, a r. sentença, por medida de inteira JUSTIÇA.

É o relatório.



VOTO

O MM. Juiz a quo assim decidiu a controvérsia:

Numa análise do Processo Administrativo em apenso, verificamos que o Autor requereu Auxílio Doença junto ao Órgão Previdenciário, apresentando C.P. nº 38.819/8A – 2ª Via.

Como se vê de fls. 02, o referido benefício foi indeferido, pelo fato de não ter sido confirmado o vínculo empregatício do segurado junto às firmas constantes de sua Carteira Profissional, tudo constatado de xerox da documentação apresentada.

Note-se, inclusive, que, às fls. 5, encontra-se xerox do Atestado de Afastamento e Salários (AAS), fornecida pela firma Tecidos Sineiros Ltda., constando que o Autor ali trabalhou durante o período de 03/11/77 a 30/06/82, afastado por acordo judicial.

E, conforme pedido inicial, o Autor contribuiu como motorista autônomo de julho/81 a junho/82, então, quando ainda trabalhava na firma acima referida.

Através de sindicâncias apurou o Órgão o seguinte:

a) não houve comprovação da real prestação de serviços nas firmas constantes da Carteira profissional do Autor;

b) que os contratos de trabalho apresentados pelo mesmo, de diversas firmas, são fictícios, pressupondo que foram feitos pela mesma pessoa, dada a semelhança das letras e números ali inseridos (fls. 17);

c) ser o Autor já bastante conhecido junto à Previdência Social, inclusive gerando até Circular, face a "Contratos Gratuitos" forjados para si e para terceiros (fls. 13);

d) como motorista autônomo, contribuiu ele a partir de julho de 1981, quando já contava 75 anos de idade.

E, não havendo, conforme realmente não houve, comprovação da real prestação de serviço nas firmas constantes da Carteira Profissional do Autor, como se infere do Processo Administrativo, não há como acatar o seu pedido constante da inicial.

Isto porque o Autor, conforme o seu pedido comprova, apenas, através de carnês de doze meses de contribuição, tendo como início o mês de julho de 1981, quando já contava ele setenta e poucos anos de idade, não se podendo esclarecer a idade exata, eis que não consta dos autos qualquer documento comprovando a data de nascimento do mesmo.

E, se a sua inscrição como motorista ocorreu após 60 anos de idade, será ela indevida.

Diante do exposto, atendendo a tudo quanto foi argumentado e demonstrado e tudo mais que dos autos consta, JULGO IMPROCEDENTE o pedido requerido por MESSIAS CAMILO DE PAIVA GUEDES em face do INSTITUTO NACIONAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL, uma vez que as provas trazidas aos autos demonstram que ele não fez jus ao benefício pleiteado."


Perverso o Sistema Previdenciário que leva um ancião, agora com cerca de 90 anos, a valer se de possíveis fraudes para obtenção de uma mísera aposentadoria.

O benefício, num País civilizado, deveria ser concedido, no seu valor mínimo, mediante a simples comprovação de se tratar de um ser humano.

Invoco em prol de que afirmo, tal como o fez o Saudoso Jurista Sobral Pinto, o Decreto nº 24.645, de 10 de julho de 1934, lei da proteção aos animais, aplicada com o argumento a fortiori, quando no seu art. 11 afirma:

"Art. 11. Todos os animais existentes no País são tutelados do Estado".

Já os brasileiros, somente gozarão de tal tutela se conseguirem, embora em idade provecta, doentes e desamparados, comprovar sem sombra de dúvida a prestação de serviços durante 30 anos.

Pelo art. 21, parágrafo 31 do mesmo diploma legal:

"os animais serão assistidos em Juízo pelos representantes do Ministério Público".

Já, o segurado humano destes autos só logrou manifestação do MP contrária à sua causa.

O art. 31 da mesma lei considera maus tratos, no seu inciso V:

"abandonar animal doente, ferido, extenuado ou mutilado bem como deixar de ministrar-lhe tudo que humanitariamente se lhe possa prover, inclusive assistência veterinária".

Já o Autor, com quase um século de existência, como se verifica nos autos do procedimento administrativo, aguardou em vão, durante vários anos, a concessão de auxílio-doença que finalmente não veio. Durante anos, os funcionários recomendavam "o máximo rigor na apuração da efetiva prestação de serviços."

Já o animal doente, ferido, extenuado ou mutilado não poderia ser abandonado por força de lei, devendo-se-lhe ministrar tudo que humanitariamente se lhe pudesse prover, inclusive assistência veterinária.

Além disso, dispõe o art. 203 da Constituição Federal:

"Art. 203. A Assistência Social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à Seguridade Social e tem por objetivos:

V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meio de prover a própria manutenção ou de tê-la provido por sua família, conforme dispuser a lei."

E se a lei até agora não veio, a Constituição se torna auto-aplicável ou, então, é de se conceder mandado de injunção ex officio para seu cumprimento.

Isto posto, dou provimento parcial ao recurso para condenar o INSS a pagar-lhe, com base no art. 203, V, da Constituição, o benefício mínimo mensal a partir do ajuizamento da ação.

Sem honorários nem custas face à gratuidade e à sucumbência recíproca.

É como voto.

Rio de Janeiro, 16 de dezembro de 1991.

CHALU BARBOSA

Desembargador Federal

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